VINCENNES: L´Universite Perdue de Virginie Linhart (Ihering Guedes Alcoforado)
VINCENNES: L´Universite Perdue de Virginie Linhart (2016) é um documentário convencional e como todo documentário expressa a compreensão subjetiva da diretora, a responsável pela escolha dos entrevistados e pela seleção dos testemunho. A diretora diretora Virginie Linhart — filha de Robert, que lecionou filosofia em Vincennes apresenta uma versão afetiva ao legado de Vincennes, ressaltando o experimento de outra maneira de ensinar, menos competitiva, menos discriminatória
É, portanto, um registro afetivo da experiência de uma universidade que se auto-representou como revolucionário, mas que na verdade se restringiu a um experimento universitário fundamentado nos slogans de 68. Uma universidade que eliminou as hierarquias, não só entre os professores, mas também entre estes e os alunos. E, como não existe vazio de poder, quem mandava eram os alunos, conforme depoimento no filme de Jacques Rancière.
Uma universiade que removeu as barreira de entrada tanto tanto no que se refere a seu público, como as áreas de conhecimento. No que se refere ao publico eliminou as barreiras de entradas, a exemplo das vinculadas a titulação como a idade, e, do próprio horário (oferecia curso noturno), E no que se atém a área de conhecimento criou o primeiro (e único salvo engano) Departamento de de psicanálise e curso de Cinema em universidade francesa.
O locus natural de canalização das energias utópicas de 68 atraiu de tudo, esquerdistas situacionistas e comunistas, estudantes e policiais, anarquistas e democratas e, principalmente trabalhadores, oferecendo creches em vez de dormitórios. A experiência envolveu alguns professores celebridades, a exemplo de Michel Foucault, Gilles Deleuze, Hélène Cixous, François Chatelet, Jean-François Lyotard, Madeleine Rebérioux, Jacques Rancière e Robert Castel, que na condição de transgressores cognitivos foram atraídos pela experiência de integração de ativismo com aprendizado, o que não significa que se adaptaram o novo modus operandi: Uma bagunça, mas onde se podia compartilhar o processo de criação do pensamento francês mais refinada, com um motorista de caminhão, ou um migrante africano, algo inimaginável numa sociedade que cada vez aprofunda a exclusão e insulamento dos grupos mais privilegiados; ou mesmo considerar o ativismo expresso nas manifestações como uma forma de investigação.
O filme é uma expressão emblemática do que chamo de documentário afetivo, pois busca evidenciar que a experiência de Vincennes continua vivo nas mentes daqueles que o frequentavam, a exemplo do pai da diretora e seus amigos. O resultado é um documentário que na sua afetação pelo objeto, revela-se estritamente político, ao por na tela não uma Universidade, mas uma alternativa institucional e organizacional universitária ancorada nos slogans de 68, e, assim evidencia suas contradições e aporias, manifesta na criação das condições de possibilidades para o sequestro do Reitor por fachineirxs imigrantes em greve, ou mesmo o trafico e consumo de drogas, acima do aceitável numa França giscardiana. o que levou ao fechamento e destruição.
Enfim, a destruição não apenas institucional e organizacional, mas também física de Vicennes tinha, segundo Jacques Rancière, que acontecer. Resta saber a quem interessou: si aos portadores das energias utópicas de 68, que viram seu sonho de Universidade fundadas nos seus slogans transformar-se num pesadelo, ou aos conservadores que buscam apagar da memória que existiu e funcionou outra maneira de ensinar, menos competitiva, menos discriminatória, na França. O certo é que o filme democratiza a memória de Vicennes, instituindo-a como uma referência para condensações vindouras das energias utópicas no âmbito das instituições universitárias, que como espectros rondam nosso cotidiano universitário, ontem, hoje e sempre.
REFERÊNCIAS
http://www.film-documentaire.fr/4DACTION/w_fiche_film/48085_1