UMA FAMILIA PERFEITAMENTE NORMAL (En Helt Almindelig Famile), Malou Reymann

Ihering Guedes Alcoforado
2 min readFeb 9, 2021

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IHERING GUEDES ALCOFORADO

Uma Família Inteiramente Feliz é filme conservador que apresenta uma sutil forma significante (significant form), o que lhe permite mesmo sendo um filme pedestre, apresentar um todo maior que as partes.

É um filme pedestre porque não trabalha a perspectiva externa na qual se insere a trama, ou seja, não estabelece a conexão com a realidade exterior, interdita uma critica contextual. É um filme pedestre por não trabalhar a perspectiva interior, já que não problematiza a experiência existencial do personagem central que muda de sexo.

No entanto, adota uma forma significante de forte conteúdo político,ao evidenciar um processo de “normalização do anormal”,negando o transgênero como uma alternativa irredutível ao modelo da família tradicional idealizada papai vs. mamãe, já que no filme o transgênero é absorvida como uma titia com quem compartilha a ida a manicure.

A narrativa explora mutilações : i) uma explícita, a mutilação sexual do transgênero que não problematiza, e ii) outra implícita, que nomeio de meta-mutilação, ao decepar a radicalidade disruptiva dos transgêneros com relação ao modelo familiar tradicional.

Enfim, o filme revela-se uma intervenção estética politicamente conservadora na sua requalificação da representação do transgênero e seu consequente agasalhamento no seio da família tradicional. Intervenção estética de efeito eticizante (“ethicizing” effect) que potencializa o processo em curso de normalização do transgêneros, revelando as possibilidades do cinema no agenciamento social tanto no campo conservador como no progressista, quando não os dois simultaneamente, a depender do contexto.

No caso em tela, a narrativa deve ser considerada duplamente conservadora: seja quando vista pela pela perspectiva interna, seja quando apreendida pela perspectiva externa. No primeiro caso, a normalização do trans por meio do seu agasalhamento no seio da família tradicional requer uma dupla mutilação: a física e a simbólica que decepa a radicalidade disruptivas que sinalizam para instituições, organizações e economia dos gozos e desejos alternativos decorrente da instrumentalização da “abjection” numa estratégia de desafio e problematização das categorias de gênero construídas socialmente.[PHILIPS, 2014]

No segundo caso é conservador quando repete a trajetória dos movimentos feministas e queer que em estágio mais avançado de normalização já gozam de “privilégios” sistêmicos enquanto “cisgender”, em contraste com os “transgender” ainda excluídos dos referidos “privilégios” simbólicos.[AULTMAN, 2014]

REFERÊNCIAS

AULTMAN, B. (2014). Cisgender. TSQ: Transgender Studies Quarterly, 1(1–2), 61–62.

PHILLIPS, Robert., (2014) Abjection IN CTSQ: Transgender Studies Quarterly, 1(1–2) pp. 19–21

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Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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