UM ANO COM 13 LUAS (Einen Jahr Mit 13 Monden, Rainer Werner Fassbinder, 1978)

Ihering Guedes Alcoforado
2 min readOct 13, 2019

--

Ihering Guedes Alcoforado

O Ciclo Rainer Werner Fassbinder, promovido pelo Cinematografo Cine Cineasta exibiu no domingo 13/10/2019 no Cine UFBA o filme UM ANO COM 18 LUAS (In Ein Jahr Mit 13 Monden, 1978) o qual trata da problemática dos transgêneros sem concessões, ou seja, em toda sua crueldade existencial,

O diretor, um militante homossexual, embora tenha mantido dois casamentos com mulheres evita a glamourização em curso no rastro do avanço do ativismo do LGBTQ e coloca a problemática do transgênero com todas suas ambiguidades e identitárias e impossibilidades afetivas por meio do seu personagem Erwin/Elvira, numa tentativa fracassada de alcançar o objeto do seu amor homo, um colega de trabalho, ou de seus eventuais substitutos.

O resultado é uma flutuação entre duas identidades: a original de Erwin, um másculo açougueiro casado e pai de uma adorável filha, e a identidade de Elvira, sendo que em ambas se revela impossibilitado em atar novos laços amorosos. O personagem incorpora uma identidade sexual hipostástica na qual a sua masculinidade original une-se a sua feminilidade virtual, posicionando-se além tanto do dualismo como da fusão identitária, tal como um crente cristão que não aspira a fundir-se com o divino, nem manter-se separado dêle, mas conseguir a plena comunhão.

A angustia identitária do personagem destoa das representações politizada recente expressa de forma emblemática pelo homem transgênero Paul B. que não só qualifica a transição como um ato de dissidência a normalização do poder patriarcal do capitalismo, mas também ressalta que conservar intacta a memória da opressão: uma fonte de ambiguidades bem evidenciada por Fassbinder. Paul B. chama tenção que às vezes se esquece que é um homem e “[…] entrar em espaços reservados para mulheres e ser tirado de lá à base de bolsadas. Isso é o que o discurso antitrans não entende: você nunca deixa de ter a própria história. Eu não sou um homem, mas sim a história de opressão que me levou a sê-lo.” [VINCENTE, 2021]

Um filme visceral que põe na tela as impossibilidades da realidade cruel de um transgênero que longe de resolver seu problema identitário original, coloca novos problemas que, no limite leva Erwin/Elvira na sua solidão hipostástica ao suicídio.

Um marco na cinematografia de Fassbinder que privilegia situações e personagens nas margens da normalidade tanto política como existencial, a exemplo da Alemanha nazista e seu legado tratado no primeiro filme da mostra, O Casamento de Maria Braun e, como do seu último Querelle, no qual estabelece a nova estética gay, para ficarmos nos mais conhecidos

Enfim, um cineasta mais atual no tempo presente, que durante sua vida entre nós.

REFERÊNCIAS

VINCENTE, Álex., Entrevista com Paul B. Preciado: “Às vezes me esqueço de que sou um homem” IN El Pais, 19 de março de 2021. https://bit.ly/3c6MeYw

--

--

Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

No responses yet