SESMARIAS E AS EFICIÊNCIAS ALOCATIVA E DE INVESTIMENTO: Um Approach da Analise Econômica do Direito by Ihering Guedes Alcoforado
Neste artigo busco evidenciar que entre as causas do êxito do Império Português se encontra a competência no desenho institucional das sesmarias, as quais não se deve confundir como um mero regime de propriedade, e, para tanto tomo como referência a institucionalização das sesmarias por D Fernando (1375) , o último rei da Dinastia de Bragança e, seus desdobramento no Brasil, durante a Colônia e o Império.
A hipótese que orienta esta nota é que o desenho da sesmarias teve como premissas duas orientações ao longo dos séculos: uma desenvolvimentista e outra rentista, as quais se complementaram a partir da sua alteração com a introdução do foro. A orientação desenvolvimentista é evidenciada na Sesmaria original estabelecida por D. Fernando em Portugal, a qual visava induzir a eficiência alocativa dos recursos agrários, enquanto que por ocasião do seu transplante para o Brasil manteve a orientação desenvolvimentista, mas foi ajustada os desafios do novo mundo, de forma a sem abandonar a busca da eficiência alocativa, adicionar um incentivos a alocação dos investimentos. A orientação rentista foi estabelecida junto o instituto do foro, o qual suprimiu os mecanismos de indução estatal do desenvolvimento por meio da eficiência alocativa, reforçando os incentivos a eficiência dos investimentos.
A metodologia que utilizo é inspirada nos insights analíticos de Ronald Coase expresso em seus artigos The Lighthouse in Economics (1974)no qual utiliza estudos de casos comparativos históricos do ambiente institucional que agasalha os faróis (referência emblemática dos bens públicos) ingleses ao longo dos séculos, a partir do que evidencia as aporias do conceito, desconstruindo os fundamentos do conceito de bem público, um dos pilares da economia do bem estar o ramo aplicado da economia neoclássica. E também em Richard Posner, especificamente no artigo sobre Savigny e Holmes, no qual estabelece o conceito de posse no âmbito da AED. Inspirado nos Mestres também adoto uma análise comparativa dos regimes de propriedade fundiária estabelecidos ao longo da história. O ponto de partida da minha analise é o momento da institucionalização das Sesmarias por D. Fernando, o último rei da Dinastia dos Braganças e, o de chegada é a atual institucionalização da propriedade no direito positivo brasileiro. Na conclusão insinuo o mix de institutos presentes na proposta de Glen Wyln e Eric Posner em Capitalismo Radical não se diferenciam substancialmente dos manejados com êxito pelos portugueses na construção do seu Império e, assim constato a importância da analise histórica comparativa na geração de novos insights e de afinidades eletivas insuspeito, a exemplo de Glen Wyln e Eric Posner, com D. Fernando.
Com este propósito a nota consta desta introdução mais os comentários abaixo nos quais apresento as sesmarias como constituindo um complexo de direitos e de obrigações que assume configurações distintas em Portugal e no Brasil: a portuguesa focada na eficiência alocativa e, a brasileira, que sem descartar os indutores da eficiência a alocativa, agrega mecanismos que visa incentivar os investimentos. E concluo traçando os contornos de analise comparativa do instituto da sesmaria com o do regime hibrido de propriedade de Wyln e Posner.
A versão portuguesa estabelecida originalmente por D. Fernando (1375) em resposta a uma crise de abastecimento em Portugal teve como telos a eficiência alocativa, a qual era induzida por meio da obrigação dos “proprietários” cultivarem suas terras, casos contrário deveriam aliená-las (dar, vender ou arrendar a outros que a fizessem produzir. Ou seja, o não cumprimento da obrigação original de cultivar, ou da obrigação derivada de alienar, a lei privava do domínio, aquele proprietário que apresentasse uma justificativa do porquê do não cultivo. E avançava na busca da eficiência ao proibir o cultivador de impedir que os vizinhos levassem o gado a pastar depois da retirada da colheita. ´ A despeito da sua consistência microeconômica ela fracassou no plano macro de fatores exógenos alheios ao seus desenho institucional, a exemplo das várias leis ordinárias que favoreciam o despovoamento, a exemplo das penas de degredo e o grande êxodo populacional português.
A implantação das sesmarias no Brasil é uma resposta ao fracasso do sistema de Capitanias Gerais e, não se constituiu num mero transplante do instituto português, dado que o mecanismo de incentivo alocativo direto e imediato, adotando-se um indireto e mediado. No Brasil foi permitido conceder mais terras a uma pessoa do que a que podia explorar, obrigando a cultivar uma parte e a transferir a terceiros o restante da terra não cultivada. Assim, instituiu-se um mix de incentivos: de um lado, ao conceder-se mais terras do que a que o beneficiário podia cultivar, criou-se um mecanismo de incentivo a uma eficiência nos investimentos, já que atraia aos fidalgos e seus recursos, e, do outro, preservava o mecanismo de eficiência alocativa com a obrigatoriedade da exploração, ou a alienação compulsória.o que nos permite interpretar o título da sesmarial como “posse oficial”; em paralelo, os plebeus incapazes de superar as barreiras burocráticas e receber terras em sesmarias, contentando com a simples ocupação, e uma “posse oficiosa”. [GASSEN, 1995]
Esta especificidade proprietária das sesmarias é bem salientado por Costa Porto quando reconhece que, no caso das sesmariass ”[…] quando se fala em doação parece, realmente, que se tratava de propriedade territorial. E não é isso, entretanto, o que se fazia. Não era a terra que o Soberano dava, mas o benefício, o usufruto dela somente. E tanto era assim que, na própria carta de doação, concedia o rei… um dado prazo de terras ao donatário, e como propriedade plena, imediata e pessoal. O Capitão donatário … era como um locotenente do Rei… exerce direitos de soberania. Só não é proprietário da terra: aufere, apenas, uns tantos proveitos do feudo que lhe foi
concedido. ”[Apud GASSEN, 1995, 115/116 COSTA PORTO,1965:26]
Enfim, arremata Costa Porto (1965:28): “”a carta de doação assegura ao donatário mero poder político, de jurisdição, e não de domínio de sorte que, apesar dos poderes dos capitães o solo continuava pertencendo à Coroa”, criando as condições de restrição administrativa do domínio privado do colono, o qual pode ser considerado, no entendimento de Faoro (1979:25) como “um agente de uma imensa obra semipública, pública no desígnio e particular na execução.
A sesmaria estabelecida originalmente no Brasil sofrerá uma completa transformação. Segundo Ruy Cime Lima (1954), com o instituto do foro (a partir de 1695), configurou-se um regime dominialista sobre as terras brasileiras, uma nova situação jurídica do solo colonial , pois nas primeiras doações de terras, o primeiro beneficio estava obrigado a distribui as terras compulsoriamente em benefício da agricultura, o que evidencia uma restrição administrativa do domínio privado, por meio do qual se induzia a eficiência alocativa. No entanto, com o passar do tempo, na busca de uma busca de atrair os recursos dos fidalgos e a consequente eficiência nos investimento a distribuição terras alarga-se e perde aquela obrigatoriedade do aproveitamento ligado á doação” [GASSEN: 1994:117]
Enfim, para Cisne Lima (1954: 38), a imposição de foro nas sesmarias do Brasil, equivale a uma apropriação legal do respectivo domínio direto, o que configura um novo regime de propriedade, mantendo o nome de sesmaria torna-se um “regime dominialista”, no qual se elimina o carácter de restrição administrativa do domínio privado, por meio do que assume definitivamente a feição de concessão de latifúndios. A inovação altera a orientação estatista desenvolvimentista focada na obrigatoriedade do cultivo das terras, passa a se expressar por meio das implicações do foro que induz o detentor da concessão cultivar ou alienar suas terras, o que resulta numa eficiência alocativa e na eficiência tributária associada a renda do foro. E, assim se elimina os mecanismos administrativos diretos e, passa-se a adotar o foro, um mecanismo indireto de indução a eficiência alocativa, ao tempo em que ao ampliara o domínio privado institui um estimulo a eficiência nos investimentos
BIBLIOGRAFIA
COASE, Ronald H, The Lighthouse in Economics INJournal of Law and Economics,1974, Vol. 17, №2 , pp. 357–376
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político
Brasileiro. 5. ed. Porto Alegre: Globo, 1979.
FAORO, Raymundo. A Aventura Liberal numa Ordem Patrimonialista. In: Revista daUSP.
GASSEN, Valcir., A Lei de Terras de 1850 e o Direito de Propriedade. Dissertação de Mestrado apresentada na UFSC, Florianopolis, 1994 .
LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras
devolutas. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 1954
LÉVY, Jean-Philippe. História da Propriedade. Lisboa: Estanqia, 1973
POSNER, Eric A. & WEYL, E. Glen., Radical Capitalism. Princeton: Princeton University Press, 2018 [ Versão brasileira POSNER, Eric A. & WEYL, E. Glen.,Mercados radicais: Reinventando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa. S. Paulo, Cia das Letras, 2019.
POSNER, Richard, Savigny, Holmes, and the Law and Economics of Possession in Virginia Law Review, 2000, Vol. 86, №3, pp. 535–567
PORTO, Costa. Estudo Sobre o Sistema Sesmarial. Recife: Imprensa /
Universitária/UFPE, 1965