PÓS-TRABALHISMO, A EMPRESA E A REPRODUÇÃO DOS MEIOS DE PRODUÇÃO: De L.Althusser à M. Kalecki — Ihering Guedes Alcoforado

Ihering Guedes Alcoforado
4 min readJun 5, 2021

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O Pós-trabalhismo tem uma compreensão da empresa distinta tanto dos progressistas como dos neoliberais por operarem com a empresa como uma caixa preta. No primeiro caso ao privilegiar as condições de reprodução da força de trabalho, considerando sua dinâmica como sendo determinada em última instância fora dela, o que é expresso de forma emblemática no frame de L. Althusser. No segundo ao considerar a firma como um conjunto de premissas ontológicas idealizadas, a partir da qual extrai virtualidades comportamentais que configuram uma Teoria da firma enquanto uma expressão particular de uma Teoria da Decisão Racional.

Nesta nota me restrinjo a evidenciar as limitações e a necessidade de superar o viés progressista, o que admito pode ser feito por meio de uma leitura crítica do frame de Louis Althusser na sua obra clássica Ideologia e Aparelho Ideológicos do Estado,na qual seguindo as pegadas de Marx, mesmo admitindo “que não há produção possível sem que seja assegurada a reprodução das condições materiais da produção; a reprodução dos meios de produção”, ele não considera que se possa pensar a produção a nível da empresa, isto porque, no seu entendimento “[…] não é na empresa que ela existe nas suas condições reais O que se passa ao nível da empresa é um efeito, que dá apenas a ideia da necessidade de reprodução, mas não permite de modo algum pensar-lhe as condições e os mecanismos”. [ALTHUSSER,13–17]

Este artificio analítico adotado por Althusser tornou-se central do frame marxista, uma importante referência dos progressistas, e, assim descartou-se a esfera da empresa como o locus para se pensar a reprodução das condições materiais e passou-se a enfatizar, seguindo o rastro de Marx: de um lado, “ o processo “global” de Marx, e estudar principalmente as relações de circulação do entre o Setor I (produção dos meios de produção) e o setor II (produção dos meios de consumo) e a realização da mais valiaé na verdade um padrão que não o antecede”, e do outro lado, a reprodução da força de trabalho. Duas trilhas analítica que tem em comum tomar como referência para pensar a reprodução das condições materiais uma realidade não material fora da fora da empresa.[ALTHUSSER, 15–18]

O Pós-trabalhismo opõe-se ao progressivismo althusseriano e resgata a esfera da empresa como um locus privilegiado para se pensar as condições de reprodução material. E, para tanto o primeiro passo é escandir o conceito de empresa (na verdade um conceito jurídico) nos dois conceitos econômicos que lhe conformam: a planta e a firma.

O conceito de “planta” tem como referência a unidade de transformação material onde se aloja, as inovações tecnológicas que recriam as condições de possibilidades do enfrentamento entre trabalhadores e patrões por meio do aumento da mais valia relativa. Enquanto o conceito de “firma” se remete a unidade de controle tanto no âmbito de uma planta individual como de um conjunto de plantas individuais submetidas ao mesmo controle de uma firma, seja por meio da concentração da propriedade dos ativos das plantas, seja via a subordinação contratual, a exemplo do que acontece com as novas formas de organização estabelecem quadros normativos privados que controlam o processo de produção ao longo de cadeias de valor desterritorializadas e, portanto distribuídas ao entre várias juridições cujo ambiente institucional agasalham não só a dimensão material, mas também a dimensão imaterial, em especial os quadros normativos/institucionais privados estabelecidos pela firmas lideres, as controladoras da cadeia.

No processo de fundamentação do Pós-trabalhismo problematizo a prioridade do progressivismo na reprodução da força produtiva localizada fora da empresa, e, proponho que se abra a caixa preta da empresa (planta +firma) contemporânea de forma a identificar linha de força possível de ser potencializada por meio de uma política governamental.

Neste esforço me inspiro na proposta de Kalecki de reforma a organização da economia socialista da Polônia, até então organizazada em grupos de empresas com afinidades nos seus negócios, propondo um novo arranjo que articulava grupos de empresas ao longo da cadeia de valor. Esta alteração do critério de formação dos grupos enfatiza a centralidade da empresa (plantas + firmas) ao longo da cadeia de valor.

Este frame de Kalecki antecipa as novas formas de organização da produção que Olivier Williamson nomeou de organizações hibridas, já que configuram firmas (enquanto unidade de controle) ampliadas por meio não da concentração da propriedade, mas da ampliação do controle da propriedade de terceiros por meio da integração contratual, criando as condições para a apropriação dos benefício do desenvolvimento tecnológicas por meio da sua difusão controlada ao longo das cadeias de valor, os locus nos quais se reproduzem de forma ampliada as condições materiais de produção, a exemplo das organizações hibridas nas quais se ancoram as novas cadeias que asseguram a eficiência e competitividade de alguns setores do nosso agronegócio, petróleo e espacial.

Em função do acima exposto, uma das metas do Pós-trabalhismo é comanda o processo de criação das condições para a implantação e difusão das inovações institucionais necessárias a criação e difusão de novas organizações hibridas em mais setores, promovendo no sue bojo o desenvolvimento e difusão das inovações tecnológicas pelo setor privado

De forma que, por meio dessa estratégia defendo em oposição ao progressivismo althusseriano que o Pós-trabalhismo privilegie não só a esfera da produção, mas principalmente suas novas formas de organização da reprodução ampliada das condições materiais e imateriais de produção, o que não exclui a manutenção no âmbito das atribuições do governo o comando do processo de reprodução da força de trabalho.

BIBLIOGRAFIA

ALTHUSSER,Louis., 1980/1970 Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. 3a. ed. Lisboa: Editorial Presença

KALECKI, Michael., Selected Essays on Economic Planning.Cambridge & New York: Cambridge University Press, I986

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Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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