PRAXEOLOGIA: Alguns Extratos Rothebardeanos

Ihering Guedes Alcoforado
7 min readNov 10, 2020

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IHERING GUEDES ALCOFORADO

Para Rothbard, um representante contemporâneo emblemático da tradição praxeológica, “[…] embora a praxeologia tenha recebido um nome somente em tempos mais recentes,tem um lugar longo e honroso na história do pensamento econômico. Na primeira grande controvérsia metodológica em nossa ciência, John Stuart Mill foi o positivista e Nassau Senior o praxeologista, com J. E. Cairnes oscilando entre as duas posições. Mais tarde, o método praxeológico foi aprofundado pelos primeiros austríacos, por Wicksteed e por Richard Strigl, atingindo o seu ápice nas obras de Ludwig von Mises. As concepções de Mises podem ser encontradas em: Human Action. New Haven, Conn.: Yale University Press, 1949 [traduzido para o português como Ação Humana: Um Tratado de Economia. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010]; e em seu primitivo Grundprobleme der Nationalökonomie [traduzido para o inglês como Epistemological Problems of Economics. Princeton, N.J.; D. Van Nostrand, 1960]. Quanto à similaridade entre Senior e Mises, ver: BOWLEY, Marian. Nassau Senior and Classical Economics. New York: Augustus M. Kelley, 1949, cap. 1, esp. p. 64–65. A obra Essay on Nature and Significance of Economic Science. Londres: Macmillan, 1932, era enfaticamente praxeológica, embora não mergulhasse em problemas metodológicos mais complexos,” [ROTHBARD, 2015/1957:32]

Conforme Rothbard o que Mises chama de praxeologistas, acreditam: “(a) que os axiomas e premissas fundamentais da economia sejam absolutamente verdadeiros; (b) que os teoremas e conclusões deduzidos pelas leis da lógica desses postulados sejam, portanto, absolutamente verdadeiros; © que, consequentemente, não haja necessidade, para um “teste” empírico, nem das premissas nem das conclusões; e (d) que os teoremas deduzidos não pudessem ser testados ainda que isso fosse desejado”2 [[ROTHBARD, 2015/1957:32]

“Nas ciências da ação humana,…, é impossível testar as conclusões. Não há laboratório onde os fatos possam ser isolados e controlados; os “fatos” da história humana são complexos, resultantes de muitas causas. Essas causas somente podem ser isoladas pela teoria, teoria esta que é necessariamente um a priori em relação aos fatos históricos (inclusive em relação aos estatísticos). [ROTHBARD, 2015/1957:33]

Na praxeologia as “ […] premissas não devem ser (na verdade, não podem ser) verificadas pelo apelo ao fato estatístico. Em praxeologia, elas são estabelecidas em bases muito mais certas e permanentes como definitivamente verdadeiras. Mas, como se obtêm esses postulados? Na verdade, apesar do rótulo de “a priori extremo”, a praxeologia contém um axioma fundamental — o axioma da ação — que pode ser chamado de a priori, e uns poucos postulados subsidiários que são, de fato, empíricos.” [ROTHBARD, 2015/1957:33]

“[…] os postulados empíricos são: (a) pequenos em número, e (b) com uma base tão abrangente que quase não são “empíricos” no sentido empírico do termo. Dizendo de outro modo, são verdadeiros de modo tão genérico que são autoevidentes, que são percebidos por todos como obviamente verdadeiros assim que são afirmados e, assim, não são, na prática, empiricamente falsificáveis e, por isso, não são “operacionalmente significativos”. Que são essas proposições? Podemos considerá-las em ordem decrescente em relação à generalidade: (1) a mais fundamental — variedade dos recursos, tanto os naturais como os humanos. Disso se segue diretamente a divisão do trabalho, do mercado, etc.; (2) menos importante, lazer é um bem do consumidor. Com efeito, esses são os únicos postulados necessários. Dois outros postulados simplesmente introduzem subdivisões limitantes na análise. Assim, a economia pode elaborar de modo dedutivo do axioma fundamental e dos postulados (1) e (2) (na verdade, somente o postulado 1 é necessário) uma análise da economia de Crusoé, da permuta e de uma economia monetária. Todas essas leis elaboradas são absolutamente verdadeiras. Elas só são aplicáveis em casos concretos, entretanto, nos quais se aplicam as condições limitantes particulares. Certamente não há nada de notável nisso; nós podemos enunciar como uma lei que uma maçã que não tenha nenhum suporte cairá no chão. Mas a lei somente é aplicável naqueles casos em que uma maçã realmente cai. Assim, a economia de Crusoé, da permuta e de uma economia monetária é aplicável quando essas condições prevalecem. É dever do historiador, ou do “economista aplicado”, decidir quais condições se aplicam nas situações específicas que são analisadas. É evidente que fazer tais identificações particulares é a personificação da simplicidade.” [ROTHBARD, 2015/1957:33–34]

“Quando analisamos a economia da troca indireta, portanto, fazemos a condição limitante simples e óbvia (postulado 3) de que trocas indiretas são feitas. Deve ficar claro que, ao fazer essa identificação simples, não estamos “testando a teoria”; estamos simplesmente escolhendo a teoria que se aplica à realidade que desejamos explicar. O quarto postulado — e de longe o menos fundamental — para uma teoria do mercado é aquele que […] as empresas têm por objetivo a maximização do lucro monetário. Como ficará evidente quando eu tratar do axioma fundamental mais abaixo, essa suposição não é de mofo algum uma parte necessária da teoria econômica. De nosso axioma deriva esta verdade: toda empresa sempre visa a maximizar o lucro físico. Isso pode ou não envolver a maximização do lucro monetário. Frequentemente a negativa é verdadeira, e nenhum praxeologista negaria esse fato. Quando um empreendedor deliberadamente aceita lucros monetários mais baixos para dar uma boa colocação profissional a um sobrinho indolente, o praxeologista não se sente confuso. O empreendedor simplesmente escolheu sofrer certo corte no lucro monetário para poder satisfazer a própria satisfação de consumo de ver seu sobrinho bem estabelecido. A suposição de que a empresa tem por objetivo a maximização do lucro monetário é tão somente uma conveniência da análise; ela permite a elaboração de uma estrutura de catalíticos (economia de mercado) que, de outro modo, não poderia ser desenvolvida. O praxeologista sempre tem em mente a noção de que nas situações em que esse postulado subsidiário não se aplica — como no caso do indolente — suas teorias deduzidas não serão aplicáveis. Ele simplesmente acredita que um número suficiente de empreendedores irá buscar os objetivos monetários da época para tornar sua teoria extremamente útil na explicação do mercado real5 . [ROTHBARD, 2015/1957:34]

“Passemos agora para o axioma fundamental (o coração da praxeologia): a existência da ação humana. Desse axioma absolutamente verdadeiro pode ser fiado praticamente todo o tecido da teoria econômica. Algumas das implicações lógicas imediatas que manam dessa premissa são: a relação entre meios e fins, tempo e estrutura de produção, tempo e preferência, a utilidade marginal decrescente, a lei dos ótimos retornos, etc. Esse é o axioma crucial que separa a praxeologia de outras perspectivas metodológicas — e é esse axioma que fornece o elemento crítico “a priori” em economia. Em primeiro lugar, deve enfatizar-se que […] a “racionalidade” […] não desempenha nenhum papel para o professor Mises […] Mises não admite absolutamente nada em relação à racionalidade da ação humana (com efeito, Mises não usa de modo algum esse conceito). Ele não admite nada em relação à sabedoria dos fins do homem ou em relação à correção de seus meios. Ele “admite” somente que os homens atuam, ou seja, que têm alguns fins e usam alguns meios para tentar atingi-los. Esse é o axioma fundamental de Mises e é esse axioma que dá toda a estrutura praxeológica da teoria econômica construída em sua certeza absoluta e apodítica”. [ROTHBARD, 2015/1957:34-35]

“Nesse ponto surge a questão crucial: como obtemos a verdade desse axioma? Nosso conhecimento é a priori ou empírico, “sintético” ou “analítico”? Em certo sentido, tais questões são um desperdício de tempo, pois o fato de suma importância é que o axioma é verdadeiro de modo autoevidente; autoevidente numa dimensão muito maior e mais ampla do que os outros postulados. Ora, esse axioma é verdadeiro para todos os seres humanos, em qualquer lugar, em qualquer época e não poderia ser violado nem mesmo de forma concebível. Em suma, podemos conceber um mundo em que os recursos não são variados, mas não um em que seres humanos existem, mas não atuam. Vimos que os outros postulados, enquanto “empíricos”, são tão óbvios e aceitáveis que mal podem ser chamados de “falsificáveis” no sentido empirista comum. Quão mais verdadeiro isso é para o axioma, que sequer é falsificável de forma concebível!” [ROTHBARD, 2015/1957:35]

“Se vamos considerar o axioma da ação “a priori” ou “empírico”, isso dependerá de nossa posição filosófica final. O professor Ludwig von Mises, na tradição neokantiana, considera esse axioma uma lei do pensamento e, portanto, uma verdade categórica a priori em relação a todas as experiências. Minha própria posição se fundamenta mais em Aristóteles (384–322 a.C.) e em Santo Tomás de Aquino (1225–1274) do que em Immanuel Kant (1724–1804); assim, eu interpretaria a proposição de um modo diferente. Eu consideraria o axioma mais uma lei da realidade do que uma lei do pensamento; portanto, mais “empírica” do que “a priori”. Mas é óbvio que esse tipo de “empirismo” é tão desalinhado com o empirismo moderno que posso continuar a chamá-lo de a priori para os propósitos presentes. Pois (1) é uma lei da ralidade que não é falsificável de modo concebível e, no entanto, é empiricamente significativa e verdadeira; (2) fundamenta-se na experiência universal interior, e não simplesmente na experiência externa, ou seja, sua evidência é mais reflexiva do que física7 ; e (3) é claramente a priori em relação aos eventos históricos complexos8 [ROTHBARD, 2015/1957:35]

“Em resumo, a ciência econômica estabelece leis existenciais do tipo: se A, logo B. Mises demonstra que essa ciência afirma que a política do laissez-faire conduz à paz e a altos padrões de vida para todos, ao passo que o estatismo conduz a conflitos e a padrões de vida mais baixos. Assim, Mises enquanto cidadão opta pelo liberalismo laissez-faire, pois tem o interesse de atingir esses objetivos. O único sentido em que Mises considera o liberalismo como “científico” é na medida em que as pessoas se unem com vistas à abundância e ao benefício mútuo.” [ROTHBARD, 2015/1957:37]

BIBLIOGRAFIA

ROTHBARD, Murray N., (2015/1957) Em Defesa do “Apriorismo Extremo” IN MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia, Volume III, Número 1 (Edição 5) Janeiro-Junho 2015: 31–37 [ ROTHBARD, Murray N. In Defense of “Extreme Apriorism”. Southern Economic Journal (January 1957): 314–20.

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Ihering Guedes Alcoforado
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Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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