POR QUE ASSISTIMOS A UMA VOLTA DO FASCISMO À BRASILEIRA: Uma nota crítica — Ihering Guedes Alcoforado

Ihering Guedes Alcoforado
3 min readAug 6, 2020

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Em carta publicada na Folha de São Paulo em 5 de junho de 2020 [1], intelectuais da USP [1]comparam o bolsonarismo ao movimento integralista da década de 1930 com dois objetivos: i) evidenciar que “o fascismo à brasileira” deu “um alarmante salto de qualidade com o bolsonarismo e ii) estabelecer omo “tarefa número um de todos os democratas não só impedir que ela se consume, mas fazê-la regredir ao espaço marginal de onde nunca deveria ter saído.”

Os intelectuais da USP justificam a expressão fascismo “à brasileira” pela ausência de “um consenso entre os estudiosos sobre a definição de fascismo”, o que leva o grupo não enfrentar “[…] a complicada e necessária discussão acadêmica sobre o caráter do fascismo em geral […], voltando-se “[…] para os temas urgentes da conjuntura brasileira.

Estabelecida o foco na conjuntura, o texto estabelece como premissa que “[…]“ o bolsonarismo ressoa discursos e estratégias de uma velha tradição fascista local, cuja atualização, segundo os missivistas ajuda a explicar o que está acontecendo. E, assim, desconsideram que o tal “fascismo à brasileira” encarnado nessa velha tradição fascista local, manifesto originalmente no Integralismo também não é consenso entre os estudiosos.

As dificuldades taxonômicas com relação ao fascismo, mas não com relação ao fascismo á brasileira faz com que os autores se sintam livres para utilizar o recorte que seja conveniente aos seus propósito: criticar e desqualificar o Governo Bolsonaro a partir da sua associação não aos fascismo na sua matriz italiana de Mussolini, mas na versão brasileira do Integralismo, o que é feito por meio da evidenciação não da estrutura política dos movimento, mas via um paralelismos na retórica de integralistas e bolsonaristas.”

A parcialidade dos autores, o que é natural tendo em conta a biografia dos signatários, salta a vista ao tratar da questão partidária, ao não fazer nenhuma referência a relação do bolsonarismo com a organização partidária, o que em si já problematiza qualquer tentativa de associar o bolsonarismo seja com o fascismo italiano, seja com a versão brasileira do Integralismo nos quais o partido tiveram uma função estruturante do movimento político e da construção da nação.

E, para evitar a questão política o que evidenciaria a fragilidade da “tese” que estrutura a narrativa expressa no texto, os signatários optam por caracterizar o fascismo não pela suas estrutura (ambiente institucional e arranjos organizacionais) política, mas pela “estrutura das paixões” mais diversas, submetidas “a obediência ao líder, percebido como uma encarnação da vontade nacional”, características presentes não só no fascismo e suas variantes, mas também nos mais diversos populismos de esquerda a exemplo do lulismo e do chavismo, para ficarmo entre as mais próximas.

Mas, como se não bastasse, os próprios autores reconhecem que ”[…] o assunto é mais complicado,”quando se trata da pátria e da intervenção do estado na economia, onde o bolsonarismo e o integralismo, também se posicionam nos extremos opostos.

O “papel” aceita tudo, mas não deixa de surpreender que uma analise com tantas fragilidade teóricas e empírica estabeleça uma narrativa que justifique o enfrentamento político, a exemplo do que parece ser a orientação do Movimento Antifacista, a um governo problemático e imprevisível politicamente (politics) em decorrência da falta de um partido ou mesmo de uma base parlamentar, mas orientado politicamente (policy) no sentido de um ultra-liberalismo e num esvaziamento do Estado, o que posiciona o bolosonarismo no âmbito politico no extremo oposto do fascismo.

Enfim, os signatários posicionados no campo da esquerda criam um inimigo imaginário, numa tentativa de mostrar vitalidade política cada vez mais difícil de ser revelada diante do inimigo real, o que pode ser um estimulo as “bolhas” e ao entusiasmo dos seus concernidos, segregando a esfera de atuação política da esquerda, reduzindo sua relevância no cenário politico brasileiro.

NOTAS

[1] SINGER, André et al., (2020) Por que assistimos a uma volta do fascismo à brasileira IN Folha de São Paulo, 05 de junho de 2020 https://bit.ly/3ftUTms. Consultado em 06 de agosto de 2020

[2] André Singer, Christian Dunker, Cicero Araújo, Felipe Loureiro, Laura Carvalho, Leda Paulani, Ruy Braga e Vladimir Safatle

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Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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