POLÍTICA E DELÍRIO: Uma nota sobre os fundamentos mentais dos populistas brasileiros — Ihering Guedes Alcoforado
To a degree unprecedented in any other social system, capitalism both feeds on and reproduces the moods of populations. Without delirium and confidence, capital could not function.” [FISHER, 2009:35]
“There is no delusional idea held by the mentally ill which cannot be exceeded in its absurdity by the conviction of fanatics, either individually or en masse”…Hoche
O declinio dos partidos políticos brasileiros a partir da Constituição de , e, a criação de partidos ad hoc, a exemplo do MDB e da ARENA abriu espaço para o personalismo aventureiro com verniz moralista. O marco inicial foi a eleição de Color com a bandeira de caça as Marajás e. coroado com eleição de Bolsonaro na onda da Lava Jato que criou as condições para a emergência do “bolsonarismo”, tal como a redemocratização criou o ambiente para a consolidação do “lulismo”: os dois marcos mais importantes do populismo que ameaça a democracia brasileira.[1]
O “lulismo” e o “bolsonarismo” tem como protagonista dois ilusionistas e, não é mera coincidências que disputem na “ponta-da-faca” o eleitorado dos grotões para reforçar o núcleo duro de seus apoiadores que se notabilizam por nortearem-se por discursos políticos delirante.
O delírio é considerado uma crença claramente falsa e que indica uma anormalidade no conteúdo do pensamento dos bolsonaristas e lulistas. Dado a composição dessas duas militância a conduta delirante não pode ser explicada pela formação cultural ou religiosa dos referidos militantes ou do seu nível de inteligência.
Ainda que o delírio politico choque mais quando ele se manifesta de forma coletiva nas Universidades, onde é comum encontrar-se professores e alunos repetirem de forma mecânica sem qual ancoragem em evidência a crença nos poderes superiores dos seus líderes. Essas pessoas são capturadas por uma “ilusão” que torna-se uma “crença” a qual se apegam , a despetito das evidências em contrário. Ao mesmo tempo é necessário não desprezar o potencial político do delírio tanto no âmbito das macros como das micro transpoformações. David Satter mostra o potencial macro transformador do delírio por meio da experiência soviética que refez r a realidade à força, construindo um novo Estado com base em uma ideia falsa, e numa representação ficticia da realidade. Ao tempo que Gregory Sholette evidencia o potencial do delirium no âmbito do ativismo artístico nas transformações moleculares [SHOLETTE, 2017;
É necessário deixar claro que essas militâncias mesmo sendo pautadas por “idéias supervalorizadas”, na maioria das vezes não tem qualquer dúvida quanto à sua veracidade, já que operam a partir de uma estrutura mental que só se pode apreender por meio do conceito de “delírio”.
A militância que ancora o populismo brasileiro tanto a esquerda como a direita está absolutamente convencida de que seu delírio populista é real; de forma que a única maneira de desmestificação desses projetos populistas é enquadrar esse esses fenômeno analíticamente, e, para tanto temos primeiro que que compreender o que é um “delírio”.
Neste sentido é fundamental que se considere o delírito de tais militâncias como um sintoma mental coletivo, tal como o ocorrido na primeira metade do século XX na Alemanha e URSS; embora tenha-se evidências das suas manifestações nos seus líderes. Um exemplo foi o delírio de Lula de ser recepcionado no Recife, ao sair da prisão, por todos os governadores do Nordeste. Um outro foi o do Bolsonara nas últimas manifestações do 7 de Setembro.
O enquadramento da conduta tanto dos líderes como da militância como delirante nos permite mobilizar os recursos desenvolvidos pelos expoentes da primeira geração da Escola de Frankfurt, na desconstrução da mistificação delirante na qual cavalgou o nazismo e o estalinismo.
Um primeiro passo na apreensão e, a consequente compreensão do “delírio” pode ser uma eviceração etimológica do termo [2]. Para Diogo Telles Correia a origem do termo no português tem base no latim “delirare” (de- fora; lirare, lira- sulco do arado) e, refere-se aos indivíduos que se afastam da normali-dade, o leva a adotar vários significados além das perturbações do pensamento. Já o termo “ delude ” por meio do qual a lingua inglesa apreende o delírio vem do latim e implica brincar ou zombar, fraudar ou trapacear, enquanto equivalente alemão “Wahn”, vai na memsa direção evoluindo de um significado associado a insegurança em relação ao que pode ocorrer, para assumir o significado de um capricho, opinião falsa ou fantasia.[3]
É portanto necessário que tenhamos em mente que o delírio tal como manifesta na militância populista brasileira (bolsonarismo e lulismo) corresponde a um dos multiplos significados assumidos pelo termo ao longo da sua história, dentre os quais me detenho no significado de opinião falsa ou fantasia, os quais incorporo no termo “delírio” com o qual opero, o qual é alargado de forma a incorporar não só o delírio a nível do sujeito, a exemplo dos delírios de Lula e Bolsonaro, mas também a nível coletivo, isto é, das suas respectivas militâncias.
No âmbito político o delírio é compartilhada por um coletivo, donde julgo mais adequado considerá-la uma falsa crença mantida com certeza incorrigível, mas estruturada a apartir dos mesmos elementos que configuram a “delírio” a nível de sujeito. Ou seja, o“delírio” estrito senso é estabelecida a nível do sujeito e, configurado, portanto, subjetivament. Enquanto que a “delírio” lato senso, isto é, a estabelecida a nivel coletivo, é configurado intersubjetivamente como uma falsa crença.
Em função do exposto acima, entendo que o estabelecimento de agenda de a desconstrução das falsas crenças nas quais se ancoram os bolsonartista e lulistas (é conveniente nunca esquecer que os frankfurtanianos Adorno e Horkeihmer, sempre deram o mesmo tratamento analítico ao nazismo e ao estalinismo), quer queiramos ou não, temos que compreender a estrutura mental dessas militâncias e dos seus líderes como delirantes. E tendo como premissa que o delírio nunca é um mero objeto que pode ser objetivamente detectado e descrito, porque ele sempre evolui tanto dentro da dimensão subjetivas quando manifesto a nível do sujeito, como dentro da esfera intersubjetivo quando manifesta a nível coletivo.
Por fim, é necessário ter em conta que o delírio político coletivo se manifesta em todos os registros da política: i) politics, ii) policy, e iii) polity. Com relação ao registro da política constitucional (polity), Arnold Gehl considera que as ficções institucionais, tal com a arte, as crenças, as ficções sociais são componentes integrais da natureza do homen e não devem ser consideradas e tratadas como “deception” ou “self-deception.[MAGERSKI, 2016] [4]
NOTAS
[1] No interegno destaco a eleição de FHC, um ponto fora da curva para pior, já que desprovido da densidade política ancorou-se no Plano Real para a primeira eleição e, na simples compra do mandato na reeleição por meio de um processo a moral de compra do segundo mandato comandado por Sérgio Mota. em função disso nunca se falou de um “fernandismo”, já que nem seu partido o PSDB reivindica seu legado. Enfim, o dano causado por FHC à política brasileira foi moral, pois como um “enunco político”, só lhe restou emporcalhar a política brasileira.
[2] A os protocolos da pesquisa etimológica é sintetizado por Mário Eduardo Viaro da seguinte forma: “O trabalho do etimólogo requer um exercício constante de pesquisa, envolvendo basicamente algumas tarefas: (1) a localização das primeiras ocorrências das palavras investigadas em textos (terminus a quo); (2) a elaboração de hipóteses sobre como foi a transmissão dessa palavra ao longo do tempo (estabelecimento de um étimo); (3) a eventual reconstrução de fases não-documentadas com base nas características linguísticas das épocas que constituem o intervalo histórico entre o étimo e a palavra investigada (história da palavra).”[VIARO, 2017]
[3] “Etimologicamen-te o termo delírio tem base no latim delirare (de- fora; lirare, lira- sulco do arado). Esta é a origem do termo utilizado pelos países latinos (França, Itália, Espanha, Portugal), referindo — se aos indivíduos que se afastam da normali-dade1. Isto explica o facto pelo qual ao longo da história o delírio engobou vários significa-dos além das perturbações do pensamento.Origem diferente tem o termo utilizado no inglês delusion (do latim deludo-crença/opi-nião falsa), referindo-se desde o século XV a uma falsificação do conteúdo do pensamento. Na «Crónica Real de Fabyan (1494), há refe-rência a este termo como «um acto de enga-nar»2. No Congresso de Paris em 1950 houve tentativas para universalizar o termo delu-sion, suprimindo os outros seus sinónimos nas diferentes línguas, sem sucesso3. O termo alemão Wahn, no século VIII emerge com o sentido de assunção incerta, insegurança em relação ao que pode ocorrer. Mais tarde vem a adquirir o significado de crença irreal, confusão do juízo, opondo-se a um juízo racional. Assim, conclui-se que enquanto os termos De-lusion e Wahn, têm na sua génese um signifi-cado de alteração do conteúdo do pensamento, no sentido de uma crença irreal, o termo de-lírio tem na sua origem a designação de algo que se aparta da normalidade, do espectável, sem se referir inicialmente a uma alteração do pensamento.”[CORREIA, 2014:41]
[4] A reflexão de A. Gehlen sobre das ficções constitui o núcle duro da sua ontologia filosofica das artes, enquanto que o desenvolvimento deste insight no âmbito das ficções instucionais são desensolvidas por Ortmann (2004)
REFERÊNCIAS
CORREIA, Diogo Telles., A Evolução Conceptual do Delírio desde a sua Origem até à Modernidade IN LOGOS — Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, EPE, Dezembro 2014 • Vol. 12 • N.º 2, pp.40–51 https://revistas.rcaap.pt/psilogos/article/view/6991/5201
FISHER, Mark., 2009 Capitalist Realism: Is There No Alternative?, Zero Books, 2009.
KIRAN, Chandra, and Suprakash Chaudhury. “Understanding delusions.” Industrial psychiatry journal vol. 18,1 (2009): 3–18. doi:10.4103/0972–6748.57851
MAGERSKI,Christine.2012 Arnold Gehlen: modern art as symbol of modern society. Thesis Eleven: Critical Theory and Historical Sociology, 8, 81–96.
MAGERSKI,Christine., 2016 Gehlen, Arnold (1904–1976 IN RITZER, George ed. 2016 The Blackwell Encyclopedia of Sociology. John Wiley & Sons
ORTMANN,Günther., 2004 Als Ob. Fiktionen und Organisationen. Wiesbaden: VS Verlag für Sozialwissenschaften, 2004, 286
SATTER, David., 2001 Age of Delirium: The Decline and Fall of the Soviet Union. Yale University Press
SHOLETTE, Gregory., Delirium and Ressistance. Activist Art and the Crisis of Capitalism. Pluto Press.2017
VIARO, Mário Eduardo., Dez livros para conhecer a etimologia.https://fflch.usp.br/sites/fflch.usp.br/files/2017-11/Etimologia.pdf