PLEASE STAND BY: Da Identidade à Identificação Autista (ihering Guedes Alcoforado)

Ihering Guedes Alcoforado
4 min readApr 27, 2018

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O cinema é um meio industrializado de por as massas diante do “outro” e, como tal uma fonte inesgotável de experiências simuladas enriquecedora da sensibilidade moderna. Ele cria as condições para a ampliação do escopo e da sensibilidades dos radares e sensores de cada um de nós necessários a apreensão, o que não significa entender muito menos compreender, a complexidade dos múltiplos mundos no qual estamos inseridos.

O film TUDO QUE QUERO (PLEASE STAND BY) de Ben Lewin com Dakota Fanning, Toni Collette, Alice Eve. EUA. 2018, ilustra bem essa função do cinema ao nos permitir um mergulho no complexo mundo do autismo, não só do plano do sujeito, mas também no manifesto na nossa sociedade de massa.

O referido filme foca no mundo ilimitado de um sujeito autista (a pesonagem principal) tratado como limitado, ao tempo que explora as possibilidades aberta em uma “sociedade” cada vez mais autista ilimitada de um empoderamento e emancipação dos sujeitos autistas.

Assim, o filme cria as condições para que possamos questionar nossos (pelo menos os meus) preconceitos com relação ao autismo, abrindo uma janela de possibilidade de entendimento e compreensão do mundo do autismo.

O primeiro resultado do meu mergulho nesse mundo, propiciado pelo filme é PLEASE STAND BY) de Ben Lewin foi a necessidade de relativização da patologia autista a nível do sujeito, dado que só se manifesta quando o personagem autista se relaciona com o mundo “puro” não autista, representado pela irmão e cuidadora na clinica qual a personagem autista foi internada. No entanto quando a personagem autista se relaciona com o mundo “contaminado” pelo autismo, a exemplo do filho da própria “cuidadora”, da aposentada com neto autista e do policial fã da série de televisão com estrutura autista, a identidade da pesonagem principal é associada não a falta, mas ao excesso de sensibilidade,a genialidade na apreensão do mundo autista manifesto na série televisiva

O filme ao nos assegura um mergulho simulado no universo autista, oferece no nosso entender fornece uma possível orientação dual na apreensão do “problema” do autista: ora estabelecida a partir da “identidade” do autista marcada pela falta, ora por meio do arremate, via a “identificação” do mesmo autista caracterizado pelo excesso possível de ser instrumentalizado no seu processo de “emancipação”.

A perspectiva de apreensão do “autista” pela via da “identidade” é problemática pois a valoração de tal identidade se altera radicalmente a depender do mundo no qual se posiciona o outro, a perspectiva da observação e consequente enunciação. Ou seja, a valoração da identidade autista é determinada a partir de referentes opostos: ora pela falta, ora pelo excesso.

Quanto o observador do mundo autista se posiciona a partir de uma perspectiva não autista o que ressalta são as múltiplas faltas associadas a identidade autista, com ênfase na falta das condições de seguir as rotinas da vida moderna, a exemplo da avaliação da irmã e da cuidadora e que se manifesta nos problemas enfrentados pela protagonista principal na sua viagem em direção a Los Angeles.

No entanto quando o diretor desloca o plano no qual se situa o observador, o que vem a tona não é a falta, mas o excesso, mas um excesso valorizado positivamente, a exemplo das avaliações das personagens da negra aposentada, do policial e do próprio filho da cuidadora.

A simulação empática propiciada pelo filme nos leva a considerar como uma possível orientação complementar na busca do entendimento e compreensão da problemática autista. Essa trajetória de entendimento e compreensão pode ser estabelecida por meio do processo de identificação a partir da exploração da possibilidade de emancipação que se manifesta na transformação das faltas manifestas na incapacidade de lidar com a rotina, em excesso (de sensibilidade) necessária a criação e, assim somos colocados diante de uma possibilidade concreta de arremate de uma personalidade autista por meio da exploração dos seus excesso manifestos numa sensibilidade transbordante que se emancipa por meio da criação. Enfim, o cinema não apenas nos propicia o prazer escópico do “ver’, mas também o prazer cognitivo do “olhar”.

REFERÊNCIA

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Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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