PLANEJAMENTO NOMOLÓGICO: A Retomada da Reflexão Sobre a Teoria e Prática do Planejamento da “Escola da Piedade” (Ihering Guedes Alcoforado)

Ihering Guedes Alcoforado
5 min readNov 11, 2019

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RELATÓRIO DO SEMINÁRIO

Na sessão do Seminário Política e Planejamento sobre o Debate do Cálculo Econômico, realizado em 21 de setembro de 2019 na Faculdade de Economia da UFBA, por ocasião da comemoração do centenário de publicação do artigo de L von Mises, evidenciou-se que tanto Mises como Hayek são cético com relação a possibilidade do exito do planejamento centralizado , ainda que por causas distintas: o primeiro pela supressão da propriedade privada, e o segundo pela própria natureza do conhecimento envolvido no planejamento.

No entanto, como Hayek deslumbra a possibilidade de um planejamento descentralizado, embora não se detenha no seu detalhamento, preferindo sugerir novas funcionalidades no mercado como mecanismo de processamento de dados e informações. O resultado de tal postura de Hayek foi o “lacramento” do debate sobre o planejamento no campo liberal.

Atualmente, dois acontecimentos criam as condições para a retomada do debate sobre o planejamento. De um lado, temos emergência de novas tecnologias que criam novas janelas de oportunidades para a descentralização das atividades de produção e controle e, com elas para o planejamento descentralizado. Do outro lado, a retomada do debate sobre a natureza e as possibilidades nos regimes legais que agasalham os institutos básicos do direito civil: a) propriedade [POSNER & WEYL, 2018; PIKETT, 2019, PISTOR, 2019]; b) responsabilidade e contratos os quais convergem na evidenciação de como os mercados pode gerar ou não equidade e prosperidade para todos.

O que tem se dado em paralelo com uma retomada pela comunidade dos planejadores articuladas, entre outras em torno da PLANNING THEORY, partir de uma problematização não só do planejamento central assentado no instituto da propriedade, mas principalmente propostas de retomada do processo de construção de um planejamento fundamentado no mercado e, paradoxalmente, na problematização do regime de propriedade privado.

Nesta nova vertente do planejamento se vislumbra não só uma retomada dos insights de Hayek e sua dicotomia entre a orientação teleológica e nomológico, mas também os contornos de um novo planejamento descentralizado com um pé em Mises (a centralidade da propriedade privada, distituida de sua sacralidade ) e, outro em Hayek (a mobilização do conhecimento tácito). Enfim, duas novas referências que alimentam não só a prática recente do planejamento urbano, em especial no uso do solo, mas também a reflexão sobre os protocolos da referida prática.

Vale ressaltar que estes insights alimentam a reflexão em curso no âmbito do Seminário Política e Planejamento, um espaço de reflexão sobre os protocolos adotados pelos praticamente do planejamento em geral, e, do planejamento nomocrático em particular.

E, nesta direção os insights libertarianos no âmbito do planejamento foram contrastados com framework estilizado extraído da Escola da Piedade cujo problema de base é decorrentes da dualidade da economia brasileira modelados por Ignácio Rangel[ 2005a,b,c,d,e,f,], antecipado e qualificado macro institucionalmente por Nestor Duarte (1939).

O protocolo da referida escola tem no seu núcleo duro o planejamento democrático de John Friedmann, operado por meio da “programação institucional” de Wolf Jr. (1955/1958) e por meio da “programação organizacional” de Jairo Simões,que propõe o agasalhamento legal das organizações mistas necessárias a operacionalização do estado desenvolvimentista. Tais insights são, por sua vez, potencializados pela instrumentalização dos insights de Orlando Gomes na sua proposta de instrumentalização do Direito Civil na criação das condições de possibilidades do desenvolvimento cuja expressão primal envolve o aumento da circulação da riqueza. O arremate final, fica por conta das “dobraduras” de Rômulo Almeida, o grande policy maker da referida escola.

Assim, o Seminário Política e Planejamento, inspirado nos insights libertarianos de Mises e Hayek, reivindica, a seu modo, o legado da Escola da Piedade na sua proposta de retomada da reflexão sobre do planejamento no tempo presente o qual mesmo partindo dos insights dos mestres austríacos, e, da sua terceira via, vai além por adotar uma perspectiva pragmática e instrumental dessacralizadora dos institutos jurídicos a exemplo dos que povoam as novas publicações na interface do Direito e Economia. E, assim considera não só os legado de Escola Austríaca e da Escola da Piedade, mas a produção corrente fundada no questionamento dos institutos jurídicos, como a “serrapilheira” do novo planejamento descentralizado que propomos seja o núcleo da nova Escola da Piedade.

BIBLIOGRAFIA

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DUARTE, Nestor, 1939 A Ordem Privada e a organização Política Nacional. Contribuição à Sociologia Política Brasileira. 1a ed. Companhia Editora Nacional, 1939 _______ 1966

DUARTE, Nestor, 1939 A Ordem Privada e a organização Política Nacional. Contribuição à Sociologia Política Brasileira. 2a ed. Companhia Editora Nacional, 1966

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RANGEL, Ignácio. Dualidade básica da economia brasileira (1957), In: obras Reunidas, Rio de Janeiro, Contraponto, 2005. 1o. vol. pp. 285–354

RANGEL, Ignácio. Desenvolvimento industrial do Brasil e suas caracteristics dominantes (1969) In: obras Reunidas, Rio de Janeiro, Contraponto, 2005. 2o. vol. pp. 605–622

RANGEL, Ignácio. Dualidade e “Escravismo Colonial” (1978) In: obras Reunidas, Rio de Janeiro, Contraponto, 2005. 2o. vol. pp. 623–635

RANGEL, Ignácio. A Quarta Dualidade (1980), In: obras Reunidas, Rio de Janeiro, Contraponto, 2005. 2o. vol pp. 645–685

RANGEL, Ignácio. A História da Dualidade Brasileira (1980) _____In: obras Reunidas, Rio de Janeiro, Contraponto, 2005. 2o. vol pp. 655–685

RANGEL, Ignácio. Dualidade e Ciclo Longo.In: obras Reunidas, Rio de Janeiro, Contraponto, 2005. 2o. vol, pp. 697–711

SIMÕES, Jairo., As empresas de economia mistas.

WOLF, n. 5, E, Jr., Institutions and Economic Development IN The Amercian Economic Review, 1955, v. XLV, 807–883. (As Instituições e o Desenvolvimento Econômico IN FRIEDMANN, John (ed) Aspectos Sociais do Desenvolvimento Econômico. Edufba, 1958)

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Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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