PAUL BEATRIZ PRECIADO E O “CORPO VIVO”: O Ativismo LGBTQ Pós Identitário

“Beatriz deixa um rastro dessa dissidência. Caso contrário, eu estava morto, minha dissidência trans apagada. Essa mutação é uma das coisas mais bonitas que já experimentei. Ser trans é aceitar que alguém consiga ser você mesmo através de mudança, mutação, miscigenação. É fazer a revolução dentro de si.”[Paul Beatriz Preciado — Paul B.]

Esta nota apresenta uma referência, um contraponto alternativo, a reflexão sobre a situação trans extraímos do filme de RW Fassbinder UM ANO COM 13 LUAS (Einen Jahr Mit 13 Monden, Rainer Werner Fassbinder, 1978) na nossa crítica do mesmo.

A referência é a reflexão de Paul B. Preciado, um representante emblemático do homem transgênero que, a despeito da profunda reflexão sobre a condição do transexual e da sua identidade expressa na epigrafe, posiciona seu ativismo num novo patamar pós identitário:

“A questão da identidade não me interessa […] O que me interessa são as críticas às normas sexuais, de gênero, raciais, patrióticas. O mais urgente (é) desidentificar-nos da coerção política que nos obriga a desejar a norma e a reproduzi-la.” O que lhe interessa “[…] não são identidades, mas relações de poder que constroem sexo, sexualidade, raça, classe, o corpo válido.

Daí sua convocação:

“Vamos parar de focar em identidades, vamos falar sobre as tecnologias de poder”, i.e., “é necessário ir além da lógica da política de identidades, avançar em direção a uma luta transversal global dos corpos vivos”.

A partir da apreensão de um corpo trans como um ato de dissidência, uma maneira de confrontar o sistema de sexo e gênero, um ato de resistência política da norma, evidencia suas virtualidades a partir do seu posicionamento no que entende ser um momento de crise no paradigma científico da diferença de gênero.

A dieta heterossexual vem mudando desde a pílula contraceptiva e as biotecnologias reprodutivas. É uma revolução tão importante quanto a que ocorreu com a derrubada da representação científica do mundo na época da revolução copernicana no Renascimento. Não é uma questão de cosmologia, mas de criação de outra sociedade, de outra reprodução da vida. Essa energia de transformação se manifesta pela luta dos corpos. Ele participa dessa grande transformação global que estamos passando, desse movimento de transição para novas representações mais democráticas.”

Atente-se que, ao priorizar a luta pela criação de outra sociedade, ele vê um perigo na cristalização questões de identidade, donde estabelecer um deslocmento da “luta identitária” associada aos novos movimentos sociais focados na identidade em beneficio da “luta dos corpos” a partir do que amplia o escopo do movimento trans, tendo como referência o “corpo vivo”, cuja politização dá-se por meio da sua inserção no âmbito de uma outra vertente dos novos movimentos sociais, o ecológico.

“É necessário estabelecer uma aliança transversal e universal de corpos vivos que desejam sair dessas normas. E essa aliança pode ser muito ampla,…Falo da luta somato-política para nomear essa nova revolta dos corpos vivos: eles não querem mais que seu poder de vida seja explorado pelo dispositivo necropolítico capitalisto-patriarcal.[…]

Como decorrência ele nos propõe uma transição política no ativismo trans:

Somos corpos vivos e defendemos nossa conexão com a vida. O que é hoje impedido pelo patriarcado, capitalismo, colonização, gestão não ecológica do planeta.”

Enfim, uma transição política da luta identitária para a luta dos corpos que também pode ser interpretada como uma fuga da questão identitária, tão bem colocada por RW Fassbinder e que procuramo ressaltar na nossa crítica do filme.

IHERING GUEDES ALCOFORADO

REFERÊNCIAS

ALCOFORADO, Ihering G., UM ANO COM 13 LUAS (Einen Jahr Mit 13 Monden, Rainer Werner Fassbinder, 1978) IN Medium, https://bit.ly/2OTWQyQ

DAUMAS, Cécile, INTERVIEW Paul B. Preciado : «Nos corps trans sont un acte de dissidence du système sexe-genre» IN LIBERATION, 19 mars 2019 , https://bit.ly/2MjOdvH