ORLANDO GOMES: Além da Dicotomia Direito & Desenvolvimento vs Direito &Economia (Ihering Guedes Alcoforado de Carvalho)
INTRODUÇÃO
Nesta nota trato do legado de Orlando Gomes, tendo como referência sua obra ensaística na qual trata a relação do Direito com a Economia (Economy), ressaltando como pano de fundo os desafios postos pelo Desenvolvimento (D & D), a partir do que explora as possibilidades dos Direito, em especial os Institutos do Direito Privado na promoção do desenvolvimento. O objetivo é evidenciar que seu programa e, consequentemente seu legado fornece o ponto de partida para a construção de um framework que permita a integração , não só nos institutos jurídicos na promoção do desenvolvimento, mas também das ferramentas econômicas na promoção da eficiência e da eficácia do Sistema Judiciário, entendido como uma firma.
Com este proposito a nota consta desta introdução, mais duas partes e uma conclusão. Na primeira parte, trato da origem do movimento D & D e apresento suas aporias. Na segunda trato da origem do Direito e Economia ( D& E) como uma reação ao (D & D) tanto no plano teórico, como no político e, fecho ressaltando sua aporias. Por fim analiso as possibilidades e limitações do programa de Orlando Gomes, posicionando-o no frame do D & D, mas que devido sua singularidade (a instrumentalização dos institutos do Dioreito privado) apresenta insights que podem ser integrados no framework do D & E, criando as condições de uma integração destes dois Movimentos dedicados ao estudo e a exploração das possibilidades em latência no Direito na promoção do Desenvolvimento.
- A ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DO MOVIMENTO DIREITO E DESENVOLVIMENTO
1.1 A Origem
A origem do movimento D & E se remonta ao século XIX, quando atraiu a atenção de pensadores da envergadura de Karl Marx e Max Weber, o que tem desdobramento entre seus discípulos ate os dias atuais.
Max Weber associa o Direito a racionalização e a modernização, não propriamente ao desenvolvimento, daí Trubeck (1972a) se referir a essa literatura como Direito e Modernização (Law and Modernization).
O foco de Max Weber era o processo de ascensão do capitalismo, o qual no seu entendimento demandava uma sistema legal “formal e “racional” e uma burocracia. O sistema legal consistia de regras previamente estabelecidas e operada por uma burocracia orientada por valores instrumentais[DAVIS & PRADO, 2014. ch 12, pp. 6/7]
- 2 A Evolução do Movimento Direito e Desenvolvimento ( D & D)
O legado de Weber foi o ponto de partida do Movimento Direito e Desenvolvimento ( D & D) dos anos 1960s. TRUBECK 91972:3) evidencia que os economista do desenvolvimento geralmente consideram que “o desenvolvimento requer algum framework legal, o qual usualmente significa uma provisão minima de ordem e de direito, mas segundo ele, “[…] só consideram duas situações polares nas suas analises do “Direito”, ou a sociedade é totalmente carente nas instituições legais “essenciais”, ou as instituições estão presentes em “quantidade“ suficiente para atender as necessidades correntes da economia. No primeiro caso , ainda segundo Trubeck (1972) o que os aderentes a Economia do Desenvolvimento dizem é que “instituições legais adequadas” devem ser criadas e, no segundo, caso direito/law é considerado um não problema pois assumem que uma oferta adequada deste fator sempre emergirá quando necessário.”
Enfim, a contribuição de Max Weber é associada por Milhaupt & Pistor (2008), ao que Sabel (2005) nomeou a “endowment prespective”, ou seja, o “sistema legal racional” é considerado uma precondição para a emergência do capitalismo e que tem sua versão atualizada “no reconhecimento que o Estado de Direito (rule of law) que proteja os direitos de propriedade e faça cumprir (enforcement) os contratos é uma pré-condição essencial para o desenvolvimento econômico porque sem ele, os custos de transação (em função da imprevisibilidade, dos problemas de exigibilidades e assim por diante) serão proibitivos em muitos casos”. [MILHAUPT & PISTOR, 2008, pp. 17/18]
Nas manifestação recentes desse frame “weberiano” no bojo do Movimento D& D destaco duas alterações da configuração original: a primeira é que o referido Estado de Direito não só pode como deve ser flexibilizado nos estágios iniciais de desenvolvimento [CHEN, 2013) e, a segunda é a feita pela variante que tem seu ponto de partida no programa de Rafael La Porta (Law and Finance) que se assenta num descolamento das instituições legais da estrutura de governança sociopolítica, a qual era considerada na versão original de Max Weber, criando assim as condições para os problemáticos transplantes institucionais. [MILHAUPT & PISTOR, 2008, p. 226]
Tal deslocamento magnifica um problema etnocêntrico sinalizado de forma recorrente. Trubek (1972a) ressalta que a referida narrativa é uma generalização evolucionista da historia ocidental e que tem portanto uma concepção etnocêntrica. Trubek and Galanter (1974) qualifica o referido etnocentrismo quando chama atenção que “em muitas das sociedades em desenvolvimento, as instituições legais, especialmente os tipos de instituições que recebem mais atenção do movimento D &D — não foram as mais importantes formas de controle social”, constatação esta que “continua a ressoar entre os céticos das reformas legais promovidas pelos atores Ocidentais” inspiradas no movimento D & D.
2. DIREITO & ECONOMIA (D & E)
Em uma evolução paralela, depois da II GM (Guerra Mundial) aumenta a oferta e demanda dos recursos do direito na promoção do desenvolvimento patrocinado pelo Estado intervencionista, o que induziu a consideração do Direito como um instrumento necessário na fundamentação da intervenção estatal efetiva na economia. E, embora essa relação não se tenha tornado uma questão central para os policymaking a resposta da comunidade dos juristas não tardou e, configurou-se na formatação do Direito Econômico e da comunidade econômica na formalização e instrumentalização da Economia do Bem Estar.
Nos anos 80s a orientação doutrinária no campo político se alterou e as prioridades no campo de estudo do D & D começou a se alterar, e, os esforços que até então estavam concentrados na fundamentação legal da intervenção do estado (Direito Econômico e Economia do Bem Estar), foram redirecionados na criação das condições de possibilidades para que boa parte da coordenação deixasse de ser feita pela esfera estatal e pudesse ser efetivada pelo mercado, ao tempo em que enfatiza a função reguladora do Estado. Os incentivos provenientes deste novo cenário levaram a emergência e difusão do Movimento Direito e Economia ( D & E) (Law and Economics) assentado no mais na Economia do Bem Estar ortodoxa, mas numa nova versão queemerge do seio da Nova Economia Institucional (NEI).
O transbordamento analítico (no sentido que todo o raciocínio é o neoclássica, mas todas as conclusões são irredutíeis ao legao neoclássico, o que evidencia um pós-neo-classicisismo) implementado por Coase, configura uma nova “ortodoxia” que entende ser pós-neoclássica e, que tem sua manifestação mais influente no campo do D & E, e seu foco a construção de políticas governamentais baseadas no mercado. Nesse novo programa do D & E, fundado na Nova Economia Institucional (NEI), o papel central do estado deixa de ser a intervenção direta efetivada por meio do manejo dos instrumentos pigouvianos (subsídios, renúncia fiscal, taxas para ficar com os mais visíveis) e passa a ser uma intervenção indireta que se efetiva via a instrumentalização dos institutos jurídicos na complementação e criação de novos mercados.
Resumindo, enquanto o foco na segunda geração foi na fundamentação econômica da intervenção do Estado na Economia, na terceira geração o foco do Movimento D & D passa a ser na evidenciação das “falhas de governo” associadas ao Estado decorrentes da intervenção do Estado, entre as quais os economistas neoinstitucinalistas destacam as materializadas por meio do manejo dos instrumentos pigouvianos, a partir do que se passa a enfatizar não mais o D & D, e sim D & E.
A emergência do movimento D & E pode ser considerada uma reação na esfera econômica ao programa do movimento D & D e, foi alvancado graças a a estruturação de duas novas escolas institucionalistas: a) a escola da escolha publica focada na desconstrução dos fundamentos políticos do estado intervencionista e b) a nova economia institucional voltada a desconstrução fundamentos econômicos do referido estado, as quais convergem na requalificação do campo de estudo das relações do Direito com a Economia.
O novo programa desenvolve um novo framework no enfrentamento não só das falhas de governo, mas também das falhas de mercado, o que é feito de uma perspectiva liberal/coseana e, não mais estatista/pigouviana. No âmbito das falhas de governo a grande novidade é consideração do próprio sistema judiciário como um sistema econômico a ser submetido a lógica econômica e torna-se o objeto privilegiado da Análise Econômica do Direito, iniciando um processo de superação da resistência dos agentes que estruturam e operam o sistema jurídico as teorias e técnicas das ciências sociais. [RIESMAN, 1962; STEVENS, 1971]
No âmbito das falhas de mercado, as externalidades, a provisão dos bens públicos e as assimetrias de informações passam a ser requalificadas institucionalmente de forma a poder ser equacionada a partir não mais de uma intervenção direta do Estado, mas da mobilização das forças de mercado, o que envolve a construção de novos mercados por meio da instrumentalização dos institutos jurídicos do Direito Privado, a exemplo da Propriedade, do Contrato e da Responsabilidade. No âmbito da falha de mercado associada ao monopólio, outra falha de mercado, começa a se contrapor a visão tradicional do focada no rent seeking e peso mort, uma visão alternativa que ressalta a dinâmica competitiva dos setores e sua eficiência dinâmica, ou seja, cria-se as condições para, em determinadas circunstância, uma avaliação positiva do monopólio, a partir do que se cria as condições para o estabelecimento de uma trajetória convergente entre a NEI e a Economia Evolucionária fundado na exploração do papel das mudanças institucionais na potencialização do avanço tecnológico, o que estar expresso no reconhecimento das “tecnologias sociais” como suporte para o desenvolvimento e operação das “tecnologias físicas”.[CUCINOTTA, et al, 2002; NELSON,2002, 2008 ] Este novo entendimento se inicia com um afastamento dos economistas dedicados a inovação tecnológica das explicações extraídas dos modelos de crescimento neoclássico, e a busca de insights na historia , o que estar expresso de forma emblemático na evolução do programa de RR Nelson, um dos “pais” da Economia Evolucionaria. [ NELSON, 1994, 1998, 2008a, 2008b] Este entendimento é baseado não apenas na teoria, mas nas evidências.[NAWAZ, 2015; LEE & KIM, 2009;LAW et al, 2013; EFENDIC et al, 2011
4. ORLANDO GOMES: Além da Dicotomia Direito e Desenvolvimento vs. Direito e Economia
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