ORFÉE (1950), Jean Cocteau
IHERING GUEDES ALCOFORADO
A relação do cinema com a poesia é possível de ser estabelecida em múltiplos planos e lugares. Jean Cocteau com seu Orfée (1950) revisita a lenda grega e seu mundo eterno para explorar suas possibilidades em latência, tendo como cenário o universo articulado que converge no Café des Poèts em Paris: uma ´cova dos leões’.
Inicialmente, mostra as possibilidades do cinema no registro, não só do mundo da poesia, num dos seus habitat, o Café des Poéts, regido por duas regras: i) o respeito ao silêncio dos que não tem nada de novo a dizer, já aos vinte anos, e, ii) o estabelecimento que um poeta não pode ser famoso; mas também dos mecanismos da criação poética, cujo maior obstáculo é o estabelecimento de um limite, não atravessar o espelho, a partir do qual se vai longe demais.
Em seguida, cria uma trama narrativa que explora as implicações da relação do criador com o espelho por meio do personagem de Orfeu. Primeiro, Orfeu é um poeta de sucesso adormecido que se restringe em olhar-se no espelho a vida inteira, vendo a morte em ação.
Depois, Orfeu é submetido a um “despertar vital ao “atravessar o espelho”, criando as condições para que , adentre na zona das suas lembranças e das ruínas dos seus hábitos, o que lhe permite evidenciar as aporias da (de)formação profissional, dado que as palavras com as quais opera não tem mais sentido pois as leis que regem esse outro mundo são diferentes.
Por fim, é necessário tem em conta que o poeta Orfeu não explora as possibilidades abertas, apenas são expostas. As possibilidades criativas do do “atravessar o espelho” são na verdade exploradas pelo Diretor do filme, Jean Cocteau, ao configurar sua trama narrativa em dois momentos: i) diante do espelho, na parte inicial do filme, que pode ser considerado como um simples registro documental e, ii) quando “atravessa o espelho” seguindo o rastro do seu personagem. O resultado é uma obra prima do cinema.