O VALE TUDO DIANTE DAS MÚLTIPLAS REPRESENTAÇÕES: Uma nota sobre Carnívoras de Jérémie Renier e Yannick Renier (Ihering Guedes Alcoforado)

Ihering Guedes Alcoforado
2 min readJun 4, 2018

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CARNÍVORAS (CARNIVORES) (2018), dos irmãos Jérémie Renier e Yannick Renier, faz uma apreensão dual do mundo da vida contemporâneo, para desconstruir o universo glamouroso do cinema expresso nos personagens do diretor e de sua atriz, no filme Justine, em produção no interior de Carnívoras.

A dualidade conflituosa que atravessa todo o filme é a de duas irmas atrizes e suas distintas relações com o mundo do cinema: i) Sam, uma “atriz de cinema exitosa” que é esmagada psicologicamente pelas dinâmica de uma produção cinematográfica, cujo diretor que “ver as coisas por dentro” que leva a desestruturação da atriz manifesta por meio de uma crise psicológica, processo que é potencializado com a crise do casamento, e a consequente separação do seu filho ii) Mam, a irmã de Sam, uma “atriz de teatro fracassada” e que é mobilizada por uma representação idealizada do mundo do cinema e que se reaproxima da irmão como assistente, inicialmente, nas atividades domésticas e, em seguida, nas atividades artísticas.

A dinâmica de uma produção cinematográfica é mostrada na tela a partir dos bastidores do filme Justine em produção dentro da narrativa de Carnívoras, uma adaptação do romance de Marquês de Sade, e que oferece a plausabilidade para a segunda dualidade conflituosa estabelecida em Caranívora: a do diretor com Sam, de quem exige uma interpretação verossímil no papel de uma masoquista, cujas exigências estão além do suportável .

Toda a trama se desenvolve com a dinâmica da relação entre as irmãs, ao longo do aprofundamento da crise de Sam, e que Mona aproveita para ocupar seu espaço, não só afetivo (com a sedução do marido da irmã e o agasalhamento afetivo do filho de Sam), mas também profissional assumindo os novos papéis que, em princípio, deveria ser da irmã em crise.

O filme põe em tela, a partir do conflito entre as irmãs, a realidade do tempo presente marcado “pelo vale tudo” pelo êxito, não importando os meios, inclusive o assassinato, com que Mona pavimenta sua trajetória na direção da realização do seu sonho, com os mesmos elementos com que a irmã assasinada Sam construiu seu pesadelo.

Enfim, o filme tem seu coroamento nos colocando diante de duas constatações provocadoras de estranhamentos. De um lado, a indiferença diante não só das restrições morais, mas também as restrições legais, pelo sucesso profissional e pessoal vale a pena. Do outro lado, a constatação que uma realidade pode ser representada tanto como um inferno (para Sam) como um paraíso (para Mam). Ou seja, tudo é uma mera questão de perspectiva: um filme nihlista.

REFERÊNCIAS

CARNÍVORAS (CARNIVORES)De Jérémie Renier, Yannick Renier. Com Leïla Bekhti, Zita Hanrot. França, Bélgica. 2018.

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Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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