O SIGNO DE LEÃO (Le Signe du Lion,1959)

Ihering Guedes Alcoforado
3 min readSep 29, 2022

IHERING GUEDES ALCOFORADO

Le Signe du Lion (1959) de Éric Rhomer é um dos marcos do início da Nouvelle Vague. E, tal como aconteceu com uma série de outros filmes produzidos durante os primeiros dias da Nouvelle Vague, em especial Paris nous appartient de Jacques Rivette e La Pointe Courte de Agnès Varda , Le Signe du Lion de Éric Rhomer só foi lançado vários anos após sua conclusão, e, quando lançado foi um fracasso comercial, o que resultou num estigma pelos pseudos apreciadores da sétima arte que confundem sucesso comercial com qualidade artística.

O personagem central é Pierre Wesselrien, um músico nascido nos Estados Unidos que vive de forma precária, mas inserido na boêmica parisiense dos anos 50s. A trajetória de Pierre é marcada dois dois eventos mortais: a da tia e a do primo, ambos motivos de celebração dado a notícia que o carente Pierre é o herdeiro de ambos.

É no intervalo entre estes dois eventos que que Éric Rhome desenvolve o filme, evidenciando a precariedade da vida do artista parisiense, da qual a vida de Pierre não só é emblemática, mas também metáfora do próprio cinema francês, entenda-se, da Nouvelle Vague, nos seus ciclos de euforia e depressão.

O filme abre com a notícia de que Pierre deve herdar uma grande fortuna, após a morte de uma tia, o que se revela falso, depois dos festejos precipitados, o que o leva a ruína financeira e, em seguida lança a indigência contingente: todos seus amigos entram de férias e ele fica sozinho em Paris, mergulhando numa indigência solitária que que chega a ser anunciada nos jornais como um suicídio.

O filme acompanha a descida ao fundo do poço de Pierre, evidenciando sua desgraça, não por dialogo ou voz em off, mas por imagem de Pierre que, em absoluta desamparo é lançado numa solidão indigente,a qual é magnificada pelo violino solitário que fornece o núcleo da trilha sonora do film, que contrasta com o belo e alegre cenário do verão parisiense.

O personagem Pierre, é um dos poucos personagem masculino de destaque na cinematografia de Éric Rhomer, o qual recebe um tratamento também especial, dado que o central na sua configuração, não são suas relações amorosas com uma mulher em particular, mas o afeto com os participantes do grupo de boêmios que envolvia homens e mulheres.

No final da sua solidão indigente ao mendigar no Café La Fiore no Boulevard Saint Germain, pega um violino e executa apenas alguns acordes de uma música que logo chama atenção dos presentes dotados de educação musical, diante do “paradoxo” manifesto na calçada: um musico virtuoso mendigando.

E é ai que entra os acasos que povoam a cinematografia de Éric Rhomer, para dar o desfecho final do final. Um casal de amigos que procuravam Pierre para lhe informar que o primo havia morrido e, que agora, com a morte do primo, ele era duplamente milionário, dado que não herdaria mais a metade, mas a totalidade da fortuna da sua tia milionária.

Ou seja, Éric Rhomer seu uso do virtuosismo musical do seu personagem para sinalizar não só sua existência, mas também sua saída da indigência (com a herança) solitária (a volta dos amigos das férias de verão).

Por fim, vale ressaltar que a aventuras de Pierre tem um efeito epifânico, mas não como é recorrentes na subsequente na filmografia de Éric Rhomer, a exemplo do que manifesto em A Hora Azul, em Raio Verde, onde a epifania dá-se no âmbito do personagem. Com Pierre a epifania não se manifesta no personagem, ele continua o mesmo, afinal, como diz seu amigo Fred, agora é tarde demais, o dinheiro é inútil para quem se acostumou a viver sem ele. A experiência epifânica é, portanto, detonada no espectador que seduzido por Éric Rhomer estabelece uma relação de empatia com Pierre e, por meio deles com os artistas pedintes, mudando radicalmente nossa representação dos artista que no desamparo absoluta submerge na solidão indigente das ruas e bancos de Paris.

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Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.