O POLICYMAKER MACHADO DE ASSIS E O EMPREENDEDORISMO CULTURAL: Uma Nota Sobre a Antropofagia Machadiana
IHERING GUEDES ALCOFORADO
Nesta nota trato do framework do policymaker Machado de Assis com o aviso de Antônio Cândido que, em se tratando da obra Machado de Assis , dado suas ambiguidades “toda conclusão do leitor é um risco”. O objetivo é duplo: sugerir a exploração dos seus rastros deixados e das janelas de oportunidades abertas, tendo sempre em mente a tensão entre o burocrata e o artista.
A vivência de Machado de Assis como burocrata o leva a reconhecer a centralidade do papel do Estado e propor um “Golpe de Estado Literário” para enfrentar a transformação da arte em industria, o que na seu entendimento é promovido pelas traduções. [1] Daí sua proposta de uma política cultural que dificulte as traduções e incentive a produção local fundada na nossa realidade [2]
Mas, se num primeiro momento reconhece que removido o obstáculo instituído pelas traduções por meio de um imposto, o teatro nacional será uma realidade, logo em seguida posicionada na perspectiva do criador que é, ele reconhece que “entre nós não ha iniciativas”, isto é, “não há mão poderosa que abra uma direção aos espíritos; há terreno, não há semente; há rebanho, não há pastor; há planetas, mas não há outro sistema” [MACHADO DE ASSIS,1959/1858:804]
A falta de iniciativa em área dramática, segundo ele “não se limita ao estreito círculo do trabalho” decorrente da “prostituição moral” promovido pelo “cezariato de bastidores” que alavancada pelas traduções promove a transformação da arte em industria. Ou seja, a falta de iniciativa “vai além da rampa, vai ao povo”, pois entende que as plateias não estão aqui perfeitamente educadas, o que resulta num vácuo imenso entre a rampa e a platéia. Em função disso ele entende que neste âmbito a iniciativa “deve ter uma mira única: a educação (da platéia).” A partir do que detalha seu diagnóstico do problema e os objetivos da política, tendo como premissa seu entendimento do papel da arte: “[…] a exploração dos novos mares que se lhe apresenta no horizonte, assim como o abrir gradual, mas urgente, dos olhos do público”[MACHADO DE ASSIS,1959/1858:804]
O seu diagnóstico da platéia é que ela ainda é “[…] dominada pela impressão de uma atmosfera, dissipada hoje no verdadeiro mundo da arte , não pode sentir claramente as condições vitais de uma nova esfera que parece encerra o espírito moderno.”(grifo nosso) E, tendo em conta essa realidade, detalha os objetivos da política focada na educação da platéia, o que é feita em dois planos : i) os objetivos meios e ii) os objetivos fins.
Os objetivos meios são: a) Demonstrar aos iniciados as verdades e concepções da arte, e, b) conduzir os espíritos flutuantes e contraídos da platéia à esfera dessas concepções e dessas verdades. Enquanto que o objetivo final é alcançar uma harmonia entre a platéia e o talento, condição que julga necessária para que se possa avançar no “caminho da civilização” [3] [MACHADO DE ASSIS,1959/1858:804]
E nessa direção sugere que, para esse avanço no caminho da civilização é necessário “copiar a civilização e adicionar-lhe uma partícula, é uma das forças mais produtivas com que conta a sociedade em sua marcha de progresso ascendente.” [MACHADO DE ASSIS,1959/1858:802]804–805
Enfim, pode-se considerar que a premissa básica do Machado de Assis policymaker é que para avançarmos no caminho da civilização deve-se incentivar as iniciativas das vocações e talentos brasileiros tendo em vista copiar de forma ativa o cânone moderno, o que implica a inserção dos elementos da nossa realidade local: a antropofagia machadiana como framework para os policymakers.
NOTAS
[1] Machado de Assis chama atenção para a instrumentalização da tradução como um instrumento central na estratégia do “cezariato de bastidores, imoral e vergonhoso, pois que tende a obstruir os progressos da arte”. Para ele, “a tradução é o elemento dominante nesse caos […]Transplantar uma composição dramática francesa para a nossa língua, é tarefa de que se incumbe qualquer bípede que entende de letra redonda. O que provém daí ? O que se está vendo. A arte tornou-se uma indústria; e à parte meia dúzia de tentativas bem sucedidas sem dúvida, o nosso teatro é uma fábula, uma utopia.”[MACHADO DE ASSIS,1959/1858:802] Não obstante ele próprio ter sido um ativo tradutor mapeado por Jean-Michel Massa no seu livro n Machado de Assis traducteur, conforme registro de que num pé de pagina do seu artigo no qual relaciona 48 textos traduzidos por Machado entre 1856 e 1894 referidos por JM Massa: estreando com o poema “On the receipt of my mother’s picture” [“Minha mãe”], publicado como “uma imitação de William Cowper”, e logo depois com o texto “A literatura durante a Restauração”, de Lamartine,em 1857, seguiram-se 16 peças de teatro (a primeira, “La chasse au lion”, de Vattier et De Najac ), 24 poemas, 3 ensaios, 2 romances, 1 conto , 1 fábula e até 1 canção — sendo 39 textos oriundos do francês, 4 do inglês, 3 do alemão, 1 texto cada do italiano e do espanhol. — de autores, entre outros, como Lamartine, Dante Alighieri, Alexandre Dumas Filho, Chateaubriand, Racine, La Fontaine, Alfred de Musset, Molière, Victor Hugo, Beaumarchais, Shakespeare, Charles Dickens, Edgar Allan Poe, Schiller e Heine (ambos a partir de versões francesas) — p. ex. o Canto XXV do “Inferno”, da Divina Comédia , de Dante , monólogo de Hamlet “To be or not to be”, de William Shakespeare , Os trabalhadores do mar, de Victor Hugo, parte de Oliver Twist. , de Charles Dickens, “Suplício de uma mulher”, de Alexandre Dumas Filho e Emile de Girardin , “Prólogo do Intermezzo”, de Heinrich Heine, “O corvo”, de Edgar Allan Poe
[2] “Um golpe de estado literário…Em termos claros, um tratado sobre direitos de representação reservados, com o apêndice de um imposto sobre traduções dramáticas, vem muito a pêlo, e convém perfeitamente às necessidades da situação.” Um golpe de estado literário contra “os jesuítas das artes; os jesuítas expuseram o Cristo por tabuleta e curvaram-se sobre o balcão para absorver as fortunas.Os novos invasores fizeram o mesmo, a arte é a inscrição com que parecem absorver fortuna e seiva.”[MACHADO DE ASSIS,1959/1858: e 805]
[3] Machado de Assis com seu compromisso com nosso avanço no caminho da civilização, não considera a possível contribuição do elemento indígena, embora reconheça que sua mobilização pode funcionar como um dique de contenção a inspiração européia, o que é expresso na sua avaliação do Uruguai de Basílio da Costa: “Sem trilhar a senda seguida pelos outros, Gama escreveu um poema, se não puramente nacional, ao menos nada europeu. Não era nacional, porque era indígena, e a poesia indígena, bárbara, a poesia do boré e do tupã, não é poesia nacional. O que temos nós com essa raça, com esses primitivos habitantes do país, se os seus costumes não são as face característica de nossa sociedade”.[MACHADO DE ASSIS,1959/1858:799]
REFERÊNCIA
MACHADO DE ASSIS, O Passado, o presente e o futuro da literatura IN Obr as Completas III (Poesia, Crônica, Crítica Miscelânia e Epistolário) Rio de Janeiro, Ed. José Aguillar, 1959. pp. 799–803 (Publicadas originalmente na Marmorta, entr 9 e 23 de abril de 1858)
ROSSO, Mauro., Machado, eterno enigma IN Blog Overterbral. 29 de junho de 2009 e consultado em 06 de fevereiro de 2021. http://overtebral.blogspot.com/2009/06/machado-eterno-enigma.html