O FORO E A EFICIÊNCIA ALOCATIVA NAS SESMARIAS: Um Approach da Análise Econômica do Direito by Ihering Guedes Alcoforado
Esta nota trata das implicações da provisão do Rei português em de 20 de janeiro de 1699, que estabelece a cobrança de foro proporcionalmente ao tamanho as sesmarias, atribuindo-lhe um valor aferido por sua dimensão.(1) O objetivo é mostrar a dubiedade do instituto que se manifesta, de um lado na desconsideração explicita das questões produtivas, seja se a sesmaria era cultivada ou não, seja da produtividade da terra; e, do outro na consideração implícita de uma pressão para que as terras fossem cultivadas tendo em conta não só a eficiência alocativa, mas também a eficiência nos investimentos. O objetivo desta nota é duplo: o primeiro é evidenciar o papel do foro no incentivo a eficiência alocativa e a eficiência nos investimentos e, o segundo é chamar atenção para as possibilidades da história das instituições como uma fonte de insights necessários ao estabelecimento de framework que permita o enfrentamento dos problemas contemporâneos de eficiência.
Com este propósito a argumentação é dividida em dois blocos. No primeiro evidencio como o foro funciona como um mecanismo de incentivo a alocação eficiente dos recursos. No segundo bloco argumento que o foro, por meio das mudanças no regime de propriedade, também funciona como um incentivo a eficiência dos investimentos.
- A Sesmaria, o Foro e a Eficiência Alocativa
Varnhagen (1981: 265) entende a cobrança do foro como uma possibilidade de limitar a extensão das sesmarias muito largas, ou seja, uma tentativa de limitar o tamanho das terras concedidas em sesmarias, já que a cobrança de foro colocava-se como um limite “natural” à grande extensão, no sentido de que o ônus total que incidia sobre a sua doação acabava por tornar-se um custo não desejado pelos sesmeiros.[ALVEAL, 2015:250]
Para Alveal (2015:250) “preocupação centrava-se nas terras não ocupadas”, e, ainda seguia-se, “[…] o princípio de que as sesmarias concedidas deveriam ser cultivadas em três anos, como no regimento, demonstrando que se havia povoado as terras, e de que nos dois anos seguintes os sesmeiros seriam obrigados a mostrar a confirmação real. As sesmarias que não tivessem sido povoadas nem confirmadas dentro de cinco anos tornar-se-iam devolutas — na acepção original, devolvidas ao rei” [ALVEAL, 205:255]
A despeito do foro ter enfrentado problemas na implantação e gestão no âmbito agrário[ALVEAL,2015: 251 e 256; NOZOE, 2014], a ponto de se poder considerar como uma iniciativa ineficaz, do ponto de vista da AED é um exemplo de um instituto bem desenhado. Isto porque, com o foro se estabelece um custo na manutenção das terras ociosas por meio do qual se faz uma dupla pressão. De um lado, para o cultivo das terras e geração de benefícios pecuniários que justifiquem o custo da manutenção da sua posse (o foro). Do outro lado, para a alienação das terras, seja doando-as, vendendo-as, devolvendo-as, ou se expondo ao risco de torná-las devolutas — na acepção original, devolvidas ao rei. Enfim, uma mudança institucional que tem duas funções:i) gerar receita para o Império por meio de uma maior eficiência tributária e ii) aumentar o uso da terra, induzindo uma alocação eficiente da mesma. Mas, como o foro também introduz uma alteração na própria substância do instituto da sesmaria, ao ampliar a dimensão proprietária da mesma, funciona como um incentivo a alocação dos investimentos. É deste último aspecto que passamos a tratar.
NOTAS
(1) Essa provisão foi endereçada ao governador da Capitania de Pernambuco, e as Capitanias do Norte sob sua jurisdição.
BIBLIOGRAFIA
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