O FORO E A EFICIÊNCIA DOS INVESTIMENTOS NAS SESMARIAS: Um Approach da Análise Econômica do Direito by Ihering Guedes Alcoforado
Nesta nota abordo o foro em geral e das implicações da sua introdução nas sesmarias, tendo em vista evidenciar seu papel como indutor da eficiência alocativa e dos investimentos.
- SESMARIAS NO BRASIL E PORTUGAL: Um Instituto, Duas Realidades
1. 1 As Diferenças Substantivas (endógenas)
“Logo, atentando a essas diferenças estruturais entre a colônia e a metrópole, não podemos, tal como Ruy Cirne Lima aponta, conceber a sesmaria como algo que fora transplantado para outros continentes, ignorando as especificidades intrínsecas do processo de expansão comercial portuguesa” [RIBEIRO, 2011:5]
“Inclusive existem distinções legais entre as duas formas do instituto das
sesmarias. Carmen Alveal afirma que “em Portugal, as sesmarias eram dadas pelos concelhos, forma pela qual era dividido o território, ficando eles a cargo do seu controle” (ALVEAL, 2007:114). Já as capitanias ultramarinas “ficaram sujeitas ao controle de uma só pessoa, na maioria das vezes o governador-mor, responsável pelo par ecer final dado aos capitães e/ou governadores” (ALVEAL, 2007:114).[RIBEIRO, 2011:5]
Alveal reforça que
“[…]enquanto em Portugal e nas ilhas atlânticas, o sistema sesmarial esteve
confinado ao âmbito municipal, na América portuguesa o sistema foi alargado. À medida em que se foram criando os povoados, os quais,
após consolidados, tornaram-se vilas, criavam-se também as instituições
de poder local, como era o caso das câmaras ou Senado da Câmara para
as cidades e vilas. Assim, as sesmarias urbanas, também referenciadas
como ‘sesmarias de chão’, estavam atreladas às câmaras municipais
(ALVEAL, 2007:114). [RIBEIRO, 2011: 5/6]
- 2 As Diferenças Relacionais (exógenas)
“A principal diferença entre o instituto da sesmaria no Reino e na colônia é a
inserção do Brasil em um contexto de exploração agrícola visando o comércio. Costa Porto afirma que “no Reino, distribuía-se o solo a fim de possibilitar a produção e, com ela, assegurar o abastecimento” (COSTA PORTO, 1979:43), principalmente pelo fato da Lei das Sesmarias ter sido criada em um contexto de crise de abastecimento interno. Já no Brasil, visa “à produção, mas tendo em vista, de maneira precípua, o povoamento,
mesmo porque não havia população para abastecer” (COSTA PORTO, 1979:43)” [RIBEIRO, 2011:4/5]
“O processo de colonização do Brasil e sua inserção no mercado europeu
influenciou sobremaneira como o instituto das sesmarias foi aplicado. Para Florestan Fernandes, a figura do colono foi fundamental na construção de um sistema de exploração colonial e para a consolidação da presença do Rei em terras americanas.
Para Florestan, “uma Coroa pobre, mas ambiciosa em seus empreendimentos,
procura apoio nos vassalos, vinculando-os aos seus objetivos e enquadrando-os às malhas das estruturas de poder e à burocracia do Estado patrimonial” (FERNANDES, 1977:34). Logo, o colono é “o outro lado do Estado patrimonial, o que simplifica a tarefa de construção do Império, de sua defesa militar e do seu crescimento econômico” (FERNANDES, 1977:34). [RIBEIRO, 2011:5]Florestan Fernandes posiciona as sesmarias como uma expressão do patrimonialismo nas relações da Coroa com os vassalos ao longo do processo de colonização. Para ele, “o império colonial português da época dos descobrimentos, da expansão marítima e da conquista organizava-se como um complexo Estado patrimonial”, configurando “[…] uma grande empresa militar, econômica, política e religiosa comum.” e na qual desta duas coisas:
“Primeiro, o que a associação representa como uma forma de divisão de riscos e de solidariedade político-legal e econômica. Uma Coroa pobre, mas ambiciosa em seus empreendimentos, procura apoio nos vassalos, vinculando-os aos seus objetivos e enquadrando-os às malhas das estruturas de poder e à burocracia do Estado patrimonial. Esse aspecto é deveras importante. Sem essa associação não haveria nem império colonial português nem economia de plantação no Brasil. Por isso, o “colonizador” ou o “colono” é sempre um vassalo, um agente da Coroa, e arca, por sua conta e risco, embora com alguns privilégios ou vantagens e, por vezes, com algum suporte oficial, com a construção do império na Colônia. Ele é o outro lado do Estado patrimonial, o que simplifica a tarefa da construção do império, de sua defesa militar e do seu crescimento econômico. Os que só viram o lado frágil dessa relação negligenciaram por que ela surgiu e o que ela significou em termos da criação de um imenso sistema colonial.” [FERNANDES, 1977]
“ Segundo, convém que não se deixe na penumbra qual era a função da referida associação nos quadros do emergente mundo colonial. Uma colônia de povoamento coloca problemas especiais na expropriação e apropriação de terras, pois os espaços vazios eliminam a disposição de “trabalhar para os outros” à meação, a pagamento etc. O que dizer de uma colônia de explo- ração? E o que dizer de uma colônia de exploração no Brasil, com suas fronteiras abertas e sua disponibilidade de terras? No caso, a relação patrimonial permitia condicionar a transferência da ordem estamental existente em Portugal: as concessões de sesmarias demarcavam as estruturas de poder que não podiam nem deviam ser destruídas, como condição histórica para manter a estratificação estamental que servia de base social à existência e ao fortalecimento do Estado patrimonial. Portanto, as doações da Coroa (ou feitas em seu nome) traduziam uma política de concentração social da propriedade da terra. Tal política não criou apenas o latifúndio. Ela excluiu, ab initio, a massa da população livre, pertencente ou não à ordem estamental, da posse da terra e, por aí, do controle do poder local e do direito de ter vínculos diretos com o Estado. Em si mesma, a terra não era uma riqueza e iria demorar algum tempo para que ela assumisse esse significado (mesmo como conexão do capital mercantil). Mas erigia-se na base material da transferência e da perpetuação de uma arraigada estrutura de privilégios e da própria dominação patrimonialista.” [FERNANDES, 1977]
A estratégia descrita por Florestan Fernandes pode demonstrar, a princípio, uma fragilidade do Estado português, mas, segundo Rodrigo Ricupero, constituiu hábil recurso, pois “a Coroa utilizava recursos humanos, e financeiros particulares para viabilizar seus projetos, sem que lhe coubesse nenhum ônus, cedendo, em troca desse apoio, terras, cargos, rendas e títulos nobiliárquicos” (RICUPERO, 2006:8).” [RIBEIRO, 2011: 5]
2. O Insstituto do Foro
2.1 O Conceito do Foro e suas Multiplas Aplicações
O instituto do foro é de origem romana e, sobrevive até os dias atuais. Neste sentido vale o registro da sua instituição em Salvador-Bahia e, 2014 por meio do DL N. 24.730 que dispõe sobre o lançamento e a cobrança de créditos em receitas patrimoniais.
2.2. A Introdução do Instituto do Foro nas Sesmarias
2.2.1 Acerca do Instituto do Foro
2.2.2 O Instituto do Foro das Sesmarias
Por meio do foro, como bem sublinha CIRNE LIMA, […] se alterava a própria substância do instituto em tela”, pois “[…] quando o foro passou a ser cobrado houve uma mudança jurídica no estatuto do sistema sesmarial, alterando-se os direitos de propriedade anteriormente estabelecidos pela Coroa: uma vez que a concessão era condicionada ao usufruto da terra (Motta, 2008), do momento em que se passava a cobrar o foro sinalizava-se que a Coroa tinha o entendimento de que as terras lhe pertenciam e criava-se uma relação de enfiteuse (Porto, 1965), e não apenas uma mercê.
Com isso modificavam-se temporariamente os direitos de propriedade relativos às sesmarias, cuja condição maior era o cultivo, e agora, no caso das Capitanias do Norte, passava a ser o pagamento do foro anual. [ALVEAL, 2015:251][RIBEIRO, 2011: 5]
a) O Instituto do Foro nas Sesmarias e a Eficiência Alocativa e dos Investimentos
b) Os problemas na implantação: i) técnicos e ii) institucionais
NOTAS
(1) Essa provisão foi endereçada ao governador da Capitania de Pernambuco, e as Capitanias do Norte sob sua jurisdição.
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