O DILEMA DAS REDES (Our Scocial Dilema) — Ihering Guedes Alcoforado

Ihering Guedes Alcoforado
4 min readMar 5, 2022

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O documentário O DILEMA DAS REDES (Our Scocial Dilema) dirigido por Jeff Orlowski e disponibilizado pelo Netflix é uma descrição assustadora não só da influência das empresas de mídia social, mas também um desvelamento tenebroso da prática dos seus críticos.

O filme é articulado a partir de dois fios narrativos retratados pelos atores. Um gira em torno de uma família imaginária semi-suburbana e suas interações com plataformas de tecnologia e mídias sociais. E o outro consta de uma visualização ficcional do “back end” dos sistemas de software utilizados pelas plataformas gigantes (Facebook, Google, etc.)é elevado a um personagem “triplo-android”, retratado por Vincent Kartheiser, famoso por Madmen, e que no filme incorpora simbolicamente uma espécie de trigêmeos de autômatos que reflete as ações do software, da IA ​​e das instruções integradas, presumivelmente do próprio Zuckerberg (ou o equivalente no Google ou em outras plataformas.

Vale ressaltar que embora esses dispositivos fílmicos não sejam ideais ou particularmente precisos para mostrar os problemas de todo o sistema complexo, eles são, no entanto, uma boa opção para encontrar uma forma de dramatizar os depoimentos dos entrevistados, ajudando pessoas que não são analistas técnicos a tomar consciência os problemas profundos e sérios que estão se manifestando em decorrência dos modelos de negógios e sua auto-regulação, tanto na esfera pública como na privada.

Na esfera pública o refrão é que elas debilitaram a democracia em casa e no exterior, semeando discórdia não só , nas comunidades e mesmo na familias, mas também a nível nacional, enquanto que na esfera privada elas impactam negativamente a saúde mental dos usuários. Isto porque, na versão do diretor alimentar os usuários com um fluxo constante de material e opiniões com as quais eles já concordam, as plataformas de mídia social nos isolam e agravam as divisões políticas

O filme concorreu ao Oscar em 2021 e esboça um entendimento alternativa da função de empresas como Facebook, Instagram, Twitter, YouTube e muito mais. Tendo em vista mostrar que não é, como o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, afirmou em um discurso de 2019 na Universidade de Georgetown, para “dar voz às pessoas e unir as pessoas”.

A tese defendida no filme é que objetivo real do negócio das referidas redes sociais é engajar uma audiência pelo maior tempo possível para que os anunciantes possam alcançá-la e, para isso, vale tudo. E, nesse vale tudo as empresas de mídia social mantêm algoritmos que enviam conteúdo aos usuários na tentativa de mantê-los em suas plataformas, tendo como critério o tipo de conteúdo que se mostrou mais envolvente: desinformação, teorias da conspiração, histórias que alimentam a “indignação”. O que termina por induzir o modelo de negócio para a difusão de informações falsas”, como bem observa um especialista no filme. “Porque informações falsas dão às empresas mais dinheiro do que a verdade. A verdade é chata.” Esta tese é ilustrada no filme Dilema Social com a notória teoria da conspiração “Pizzagate” de 2016, que afirmava falsamente que funcionários do Partido Democrata estavam administrando uma rede de tráfico sexual em restaurantes, incluindo uma pizzaria de Washington, DC.

Mas como o velho ditado “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” continua mais do que nunca atualizado, o diretor não perdeu oportunidade de manipular o público. De um lado ajustou seu produto ao modelo de negócio cinematográfico instituido pelo Netflix, o que resultou num sucesso pelo público que tende a se identificar com a história da família, mas não tanto com a problemática em tela. Do outro lado usou e abusou do merchandising da organização que agasalha a maioria dos entrevistados: o Center for Human Technology. E para fechar o ciclo, a narrativa tecida em O Dilema Social apresenta um alinhamento com o discurso do presidente Biden na sua defesa da democracia e no seu apelo por unidade, desconsiderando as limitações das democracias liberais e a fragmentação da sociedade com o avanço do identitarismo, detendo-se na rejeitação de uma cultura politica epistêmica em que os próprios fatos são manipulados e até fabricados como se tal pratica fosse exclusividade das plataformas em tela.

Resumindo: a perspectiva progressista do diretor é clara: regulamentação maciça das empresas de mídia social, ou seja, mudança do modelo de negócio dessas empresas, ou seja, o que elas podem ou não fazer para a melhoria da sociedade, a despeito de em momento nenhum ter problematizado no filme a questão, levando em conta o debate que atravessa século nos EUA. Enfim, o filme merce ser visto tanto pelo que mostra, como pelas lacunas.

REFERÊNCIAS

LEEDS, D., 2020 The Social Dilemma: Forget the Critics and Watch this Important Netflix Documentary Now,IN Lynxotic, 20/09/2020.https://bit.ly/3KjA3Go

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Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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