O CASAMENTO DE MARIA BRAUN(Die Ehe der Maria Braun)

Ihering Guedes Alcoforado
4 min readOct 13, 2019

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Rainer Werner Fassbinder (1978)

Ihering Guedes Alcoforado

O Casamento de Maria Braun, Urso de Prata do Festival de Berlim pela melhor interpretação feminina e indicado ao Globo de Ouro como a melhor película extrangeira (1980), tem como referência histórica o legado nazista na Alemanha no período de 1943 à 1954. Uma realidade que é o resultado de uma lógica que foi sintetizada por Jüngen Habermas como um período no que se foi mais a fundo na colonização do “mundo da vida” pelo “sistema”,o que implicou numa relação tensa entre a barbárie e o sublime que Fassinber toma como pano de fundo para sua narrativa marcada por um contrato na abertura (o casamento) e outro no final (um testamento)

A tensão aludida se expressa já na abertura pelo contexto material e simbólico no qual se realizou em 1953 o casamento de Maria Braun: um cartório bombardeado envolvido pela justaposição dos sons de um ataque áereo e da execução de uma peça de Bethovenn, mas que não impediu a realização de um contrato assinado e carimbado entre os dois amantes: um casamento. Um outro contrato, o testamento do amante de Maria Braun, doando metade para ela e metade para Herman Braun, no exato momento do reencontro de Maria com Hermann, ato seguido de uma explosão que, diferentemente da primeira, inviabilizou as consequencias do contrato de testamento.

O contrato de casamento que emerge das cenas iniciais tem uma lógica endógena, a do mundo da vida, pois ata dois amantes, mas que só adquire sentido a partir da sua incorporação da lógica exógena do sistema jurídico, e, assim constitui o mecanismo utilizado por Fassbinder para deslizar a tensão macro, que se expressa entre o sublime e a barbarie que se manifesta de forma aguda no nazismo e o que se expressa no nível pessoal nas contradições da personagem Maria Braun, uma alegoria do período do guerra alemão em dois momentos históricos da Alemanha e da personagem, o qual é marcado pelas tramas envolvendo os dos dois amantes, em dois momentos distintos.

A narrativa se desenrola num período histórico de inflexão na alemanha, o da ocupação americana, no qual o mundo da vida que se expressa de forma emblemática no poder de sedução de Maria Braun é fundamental na recomposição do sistema a partir do êxito a nível micro pessoal, o que é possibilitado graças as conquistas obtidas por meio dos dois amantes.

Num primeiro momento, o soldado negro americano e alguns trocados e cigarros, uma grande conquista dado a situação em 1943 de extrema carência: batata, toucinho e barbeador, este último abundante dado de homens.

O segundo momento, é marcado pela volta de Hermann Braun o que provocou o ato de Maria Braun de assassinato do amante negro americano (e do aborto), mas assumido por Hermann, o que colocou o contrato e o compromisso em outro patamar entre a nova Maria e o marido presidiário.

Este segundo momento se articula, a partir da entrada em cena do novo amante, o industrial francês e, uma nova Maria Braun cujo poder de sedução antes exercido num prostíbulo na sua luta pela sobrevivência, passa a ser apenas a porta de entrada da amante consciente do seu compromisso matrimonial e da sagaz mulher de negócio que fundamentada na intuição feminina, manifesta na sua certeza da grande demanda pelas meias de seda, durante o boom econômico que se iniciava, e que foi determinante na decisão estratégica de compra de novas maquinas e, para o subsequente sucesso da empresa do amante durante o boom da reconstrução da Alemanha.

Em ambas etapas a sedução feminina própria do mundo da vida é instrumentalizada para enfrentar num primeiro momento o desafio da sobrevivência e, num segundo momento no aproveitamento das oportunidades durante a reconstrução da Alemanha. Características que não foram devidamente realçada no cartaz alemão do filme que ao ressaltar a sensualidade da atriz Hanna Schygulla e não sedução feminina da personagem Maria Braun.

Enfim, uma feliz alegoria da Alemanha pós-guerra na sua retomada da civilização a partir da da instrumentalização da sedução feminina, e na superação da tensão entre o sistema e o mundo da vida via a morte natural do amante francês, seguida da morte dos amantes alemães, provocada pela explosão, tendo como pano de fundo a comemoração da vitória Alemã sobre a Hungria, uma sinalização da retomada do orgulho nacional alemão e da superação histórica da tensão que atravessa o filme.

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Ihering Guedes Alcoforado
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Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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