O BARQUEIRO, Gianfranco Rosi

Ihering Guedes Alcoforado
3 min readMar 22, 2021

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IHERING GUEDES ALCOFORADO

O documentário é o gênero cinematográfico dedicado ao registro da realidade, e no qual o papel do cineasta é o de recortar a realidade e estabelecer a forma como ela será apreendida e posta na tela. Donde ser nesse recorte/enquadramento, na apreensão das imagens (fotografia) e edição que a virtuosidade do cineasta se revela. O caso de Gianfranco Rosi em Boatman (1996) é exemplar, já que ele não só é o produtor, mas também o diretor e fotografo e assim se expõe ao longo de todo o ciclo de construção do filme.

O recorte da realidade indiana privilegia o cotidiano de um barqueiro (boatman). Uma função de grande carga simbólica na cultura indiana, pois ao transportar as pessoas de um lado para outro repete no cotidiano humano a função de SHIVA — transportar as pessoas desse mundo para o além.

A esse recorte que no põe diante do núcleo da cultura indiana, Gianfranco Rosi, agrega um meta-recorte, por meio do qual contextualiza o barqueiro no transporte de turistas, o que lhe lhe permite por na tela a tensão que emana na interface da cultura indiana com a cultura ocidental no transporte/transição entre a vida e o além, tendo como pano de fundo a relação dos indianos com seu rio sagrado: o Gange.

O filme Boatman (1996) dirigido, fotografado e produzido por Gianfranco Rosi nos oferece múltiplas aproximações a Índia. Nesta crítica mesmo reconhecendo que o foco central do filme é a representação da transição entre a vida e o além na cultura indicana, me restrinjo ao pano de fundo, os seja, as complexas relações dos indianos com o Gange

Entre essas destaco a que evidencia a percepção dos indianos como um processo social no qual a visão do mundo dos indianos com seus viés ideológico e cultural mediado por Shiva (e Guari sua esposa) determina o significado da poluição do Rio Gange.

A narrativa alinha-se a teoria cultura dos riscos associada a Mary Douglas Isto porque é a cultura que propicia os mitos construídos socialmente sobre o rio, os quais são agasalhados num sistema de crença apreendido e internalizado pelos indianos, que se torna parte da sua visão do mundo e influencia suas interpretações acerca das implicações das suas relações com o rio.[DOUGLAS & WILDAVSKY, 1983; DAKE, 1992]

O filme revela, portanto, como crenças construídas culturalmente atenua os perigos percebidos dos riscos ambientais.por meio da racionalização da relação dos crentes com o Gange que, visto como uma coisa sagrada leva aos crentes minimizar os perigos decorrentes da sua poluição pondo em risco, não apenas a si mesmos, mas o própria coisa sagrada. [SACHDEVA, 2016]

Enfim, ao evidenciar a centralidade da cultura e das crenças na determinação da relação dos indianos com o rio, se pode inferir a necessidade da consideração o contexto cultural pelos policy makers envolvidos na formulação de políticas de despoluição do rio.

REFERÊNCIAS

DAKE, K. (1992). Myths of nature: Culture and the social construction of risk. Journal of Social Issues, 48(4), 21–37.

DOUGLAS, M., & WILDAVSKY, A. (1983). Risk and culture: An essay on the selection of technological and environmental dangers. Berkeley, CA: University of California Press.

KAHAN, Dan., Cultural Cognition as a Conception of the Cultural Theory of Risk IN ROESER, S., (ed.) Handbook of Risk theory. Springer.

SACHDEVA, Sonya.,The Influence of Sacred Beliefs in Environmental Risk Perception and Attitudes IN Environment and Behavior, 2016 pp.1–18

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Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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