NAS GARRAS DO VÍCIO (Le Beau Serge) — Ihering Guedes Alcoforado

Ihering Guedes Alcoforado
2 min readNov 30, 2021

Nas Garras do Vício (Beau Serge) de 1958 é o filme de estréia de Claude Chabrol, tanto como diretor como roterista. E que estréa, já que disputa com o filme Pointe-Courte de Agnés Verda, o crédito de ser a obra inaugural da Nouvelle Vague francesa.

O filme evicera uma comunidade rural francesa posicionada temporalmente na primeira metade do século XX, tendo como eixo a evidenciação do conflito eterno entre o “ethos” comunitário encarnado pelo personagem Serge (Gérard Blain), um arquiteto frustado e o ‘mores” do contexto mais amplo no qual se insere, e que se reporta tanto ao estado nacional como a igreja católica representado por François,um noviço “frustado”, interpretado por Jean-Claude Brialy.

O conflito é manifesto em multiplos níveis simbólicos que encarnados em diferentes imaginários espana a poeira do “real”, de forma que o alcolismo encarnado por Sérgio é apenas um desses registros simbólicos no qual os personagens imaginários são aprisionados, só lhe sendo permitido encarnar um ângulo do “real”, o conflito eterno entre o ethos e omores, cuja superação se revala inacessível, ainda que “possível”. O outro amigo, não alcolatra, diferente do Sérgio encarou a superação não só inacessível, mas também impossível, o que o levou a acomodar-se como pedreiro.

O alcolismo de Sérgio encarna, portanto, duas frustações. A primeira é associada ao seu fracasso no acesso ao curso de arquitetura, ao que debita ao casamento em conformidade as regras da comunidade. E, a segunda a morte do seu bebe, nascido com problemas cogênitos de saúde, e que decorre a própria natureza da reprodução humana.

As duas frustações que são colocadas na origem do alcolismo de Serge simbolizam as impossibilidade de toda a comunidade, ou seja, a de ascender por meio da transcendência intelectual e a de superar as restrições naturais ao desenvolvimento de uma comunidade rural arcaica e obsoleta. De forma que tanto Serge como a comunidade adotam uma fuga. No case de Serge para o “interior do eu’, mas com uma ponta de esperança no nascimento vindouro de um filho sadio, e para o ‘interior do ethos” no caso da comunidade. A exceção ficando por conta de François que representa a crença explícita na superação a partir de um ajuste do ethos ao mores, cujo ponto de inflexão é expressa no nascimento do filho de Serge.

Enfim, é um filme que nos coloca diante das impossibilidades postos pelos “ethos” comunitário e pelos “mores” universais aos sujeitos, mas com um cuidado de apontar uma “rota de fugra” não interiorizada no alcolismo, mas exteriorizada na educação e na determinação das crianças de enfrentar o inverno para frequentar a escola, ressaltada pelo próprio Serge.

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Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.