MAI 68, Un Étrange Printemps (2018) de Dominique Beaux (Ihering Guedes Alcoforado)
O que se pode esperar de um documentário sobre o MAIO 68 francês que não só apresenta nas suas primeiras imagens um SARKOZY, Presidente da França, anunciando seu projeto político de virar a pagina de 68, e que homenageia o Chefe da Polícia de Paris na época ? TUDO.
A pré-eclosão do Maio 68 deu-se na Universidade suburbana e proletária de Nanterre que sufocada pelo conservadorismo nos costumes e por uma arquitetura modernista tardia revela sua radicalização, entre outras na expulsão do deputado comunista Pierre Juquin aos gritos de Joaquim Judas. Os conflitos em Nanterre que culmina com o fechamento da Universidade por seu decano, funciona como o estopim para a eclosão propriamente dita na Sorbonne, a partir do que evidencia o protagonismo estudantil nas barricadas de Paris, com seu consequente empoderamento, a ponto de “dobrar” as autoridades com uma pauta” despretensiosa, tendo em conta nossa representação imaginária corrente do Maio 68 francês expressa no seja realista, demande o impossível. Enfim, uma festinha com chuva de paralelépidos, conforme depoimento de Critian Bourgoin, então um jovem policial de 24 anos e que atuou na repressão ao movimento.
Mas, o mais instigante do filme se encontra em três núcleos narrativos. O primeiro núcleo narrativo é o que desvela os protagonistas que representavam os interesses em ebulição, em especial o das lideranças sindicais comunitas que pautaram as ocupações (inclusive com sequestros de dirigentes) dos setores estratégicos da economia francesa em Nanterre e na Normandia e que tem como seu representante emblemático no filme Pierre Juquin
e, da reação patronal, expressa pelo importante depoimento de Jean Méo, CEO da ELF,
o qual traz à tona não os interesses patronais propriamente dita, mas aparalisia que tomou conta das agências governamentais, cujaa causas são bem apresentadas por Edouard Balladur, o personagem que vocaliza a visão do Gabinete Ministerial.
No confronto desses três interesses: sindicais, patronais e políticos, evidencia-se que o MAIO 68 francês relacionado ao movimento sindical influenciado pelo Partido Comunista, a despeito de sua aparente radicalidade, foi uma expressão empoderada do velho movimento social distributivo (aumento de salário, redução da jornada e espaço politico de aprofundamento da influência sindical)e que nada tem a ver com os novos movimento sociais identitários que se alimentam do conflitos na esfera dos relacionamentos entre pessoas e estados que no imaginário de 68 estão entre suas causas e desdobramentos.
O segundo núcleo narrativo expressa os benefícios (e que é que se pode falar em benefício) da memória da Argélia, quando as forças repressivas utilizaram armas e fogo, cujo trauma funciona como uma interdição ao uso de tal tipo de repressão no Maio de 68. Embora, tenha-se que considerar que na Argélia a força bruta foi utilizada contra o “outro”, enquanto que em Maio de 68 ela seria utilizado contra os próprios franceses, a exemplo do filho do Chefe da Política de Paris. A ausência de tal trauma libera, por exemplo, a selvageria em potencial do Prefeito de Nantes, felizmente, contida institucionalmente. De forma que o contraste entre Maurice Grimaud, Chefe da Polícia de Paris e o Prefeito de Nantes, nos permite vislumbrar a importância de ter-se a pessoa certa, no lugar certo.
O terceiro núcleo narrativo é estabelecido a partir das duas intervenções do General Charles André Joseph Marie de Gaulle. A primeira a esquerda, com sua proposta progressista de referendo para se institucionalizar a “participação” e, em consequência a horizontalização das relações de poder, uma das bandeiras de Maio 68. A segunda a direita, partir da magnificação da sua presença na vida política francesa por meio do seu “desaparecimento”, fazendo emergir o medo, até então contida pela presença protetora do General, de forma que sua volta com um discurso anticomunista e nacionalista, reinstaura no imaginário parisiense o papel da Republica e a centralidade do poder presidencial, deslocando as fantasias utópicas, não devidamente trabalhadas no documentário para a esfera individual.(1)
Enfim, um filme comprometido com a restauração da normalidade e que considera, de forma implícita, as fantasias utópicas como espectros que rondam o legado de 68 de Maio, o que para muitos outros é a própria essência desse movimento e, que paradoxalmente foi vocalizada no filme pelo General De Gaulle com seu participacionismo.
NOTAS
(1)Para detalhes sobre a diversas interpretações da performance exitosa de De Gaulle consultar LÓPEZ, Pablo Pérez, (2018)La Chienlit C´est Lui ! de Gaulle Ante Mayo de !968 IN ARBOR Ciencia, Pensamiento y Cultura, 2018, v. 194–787.