MAI 68, Un Étrange Printemps (2018) de Dominique Beaux (Ihering Guedes Alcoforado)

Ihering Guedes Alcoforado
4 min readMay 9, 2018

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Maurice Grimaud in Mai 68, Un étrange printemps (2018)

O que se pode esperar de um documentário sobre o MAIO 68 francês que não só apresenta nas suas primeiras imagens um SARKOZY, Presidente da França, anunciando seu projeto político de virar a pagina de 68, e que homenageia o Chefe da Polícia de Paris na época ? TUDO.

A pré-eclosão do Maio 68 deu-se na Universidade suburbana e proletária de Nanterre que sufocada pelo conservadorismo nos costumes e por uma arquitetura modernista tardia revela sua radicalização, entre outras na expulsão do deputado comunista Pierre Juquin aos gritos de Joaquim Judas. Os conflitos em Nanterre que culmina com o fechamento da Universidade por seu decano, funciona como o estopim para a eclosão propriamente dita na Sorbonne, a partir do que evidencia o protagonismo estudantil nas barricadas de Paris, com seu consequente empoderamento, a ponto de “dobrar” as autoridades com uma pauta” despretensiosa, tendo em conta nossa representação imaginária corrente do Maio 68 francês expressa no seja realista, demande o impossível. Enfim, uma festinha com chuva de paralelépidos, conforme depoimento de Critian Bourgoin, então um jovem policial de 24 anos e que atuou na repressão ao movimento.

Christian Bourgoin in Mai 68, Un étrange printemps (2018)

Mas, o mais instigante do filme se encontra em três núcleos narrativos. O primeiro núcleo narrativo é o que desvela os protagonistas que representavam os interesses em ebulição, em especial o das lideranças sindicais comunitas que pautaram as ocupações (inclusive com sequestros de dirigentes) dos setores estratégicos da economia francesa em Nanterre e na Normandia e que tem como seu representante emblemático no filme Pierre Juquin

Pierre Juquin in Mai 68, Un étrange printemps (2018)

e, da reação patronal, expressa pelo importante depoimento de Jean Méo, CEO da ELF,

o qual traz à tona não os interesses patronais propriamente dita, mas aparalisia que tomou conta das agências governamentais, cujaa causas são bem apresentadas por Edouard Balladur, o personagem que vocaliza a visão do Gabinete Ministerial.

Edouard Balladur in Mai 68, Un étrange printemps (2018)

No confronto desses três interesses: sindicais, patronais e políticos, evidencia-se que o MAIO 68 francês relacionado ao movimento sindical influenciado pelo Partido Comunista, a despeito de sua aparente radicalidade, foi uma expressão empoderada do velho movimento social distributivo (aumento de salário, redução da jornada e espaço politico de aprofundamento da influência sindical)e que nada tem a ver com os novos movimento sociais identitários que se alimentam do conflitos na esfera dos relacionamentos entre pessoas e estados que no imaginário de 68 estão entre suas causas e desdobramentos.

O segundo núcleo narrativo expressa os benefícios (e que é que se pode falar em benefício) da memória da Argélia, quando as forças repressivas utilizaram armas e fogo, cujo trauma funciona como uma interdição ao uso de tal tipo de repressão no Maio de 68. Embora, tenha-se que considerar que na Argélia a força bruta foi utilizada contra o “outro”, enquanto que em Maio de 68 ela seria utilizado contra os próprios franceses, a exemplo do filho do Chefe da Política de Paris. A ausência de tal trauma libera, por exemplo, a selvageria em potencial do Prefeito de Nantes, felizmente, contida institucionalmente. De forma que o contraste entre Maurice Grimaud, Chefe da Polícia de Paris e o Prefeito de Nantes, nos permite vislumbrar a importância de ter-se a pessoa certa, no lugar certo.

O terceiro núcleo narrativo é estabelecido a partir das duas intervenções do General Charles André Joseph Marie de Gaulle. A primeira a esquerda, com sua proposta progressista de referendo para se institucionalizar a “participação” e, em consequência a horizontalização das relações de poder, uma das bandeiras de Maio 68. A segunda a direita, partir da magnificação da sua presença na vida política francesa por meio do seu “desaparecimento”, fazendo emergir o medo, até então contida pela presença protetora do General, de forma que sua volta com um discurso anticomunista e nacionalista, reinstaura no imaginário parisiense o papel da Republica e a centralidade do poder presidencial, deslocando as fantasias utópicas, não devidamente trabalhadas no documentário para a esfera individual.(1)

Enfim, um filme comprometido com a restauração da normalidade e que considera, de forma implícita, as fantasias utópicas como espectros que rondam o legado de 68 de Maio, o que para muitos outros é a própria essência desse movimento e, que paradoxalmente foi vocalizada no filme pelo General De Gaulle com seu participacionismo.

NOTAS

(1)Para detalhes sobre a diversas interpretações da performance exitosa de De Gaulle consultar LÓPEZ, Pablo Pérez, (2018)La Chienlit C´est Lui ! de Gaulle Ante Mayo de !968 IN ARBOR Ciencia, Pensamiento y Cultura, 2018, v. 194–787.

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Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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