MACHADO DE ASSIS E A DESCOLONIZAÇÃO CULTURAL BRASILEIRA: Policymaking Como Golpe de Estado Literário
IHERING GUEDES ALCOFORADO
“A sociedade é uma mina a explorar, é um mundo caprichoso, onde o talento pode descobrir, copiar, analisar, uma aluvião de tipos e caracteres de todas as categorias. Estude-nas: eis o que aconselhamos às vocações da época ![MACHADO DE ASSIS,1959/1858:803]
Machado de Assis sempre associa o processo de descolonização com de regeneração que deve seguir o cessar das lutas fratricidas que emergiram com as ‘erupções revolucionárias que agitavam as entranhas do país”, as quais vincula as “dissensões civis” e “paixões políticas”, mas não as “lutas da inteligências”, estas últimas, no seu entendimento seguem o cessar das “lutas fraticidas”.[MACHADO DE ASSIS,1959/1858:801]
As “lutas das inteligências” envolvem idéias que, no seu entendimento, com o telegrafo “ hão de viajar de um lado a outro do globo, com a rapidez do relâmpago”. Um fração dessas idéias são recepcionadas no Brasil pelos “espíritos positivos”, uma outra é recepcionada pelos que comprometem-se com a restauração do cristianismo, Êle se posiciona nesta luta de idéias quando se opõe, aos “espíritos positivos” que “se alentam no fluxo e refluxo das operações monetárias.”e defende que “[…] sociedade não se lance exclusivamente na realização desse progresso material”, cujo “doloroso indiferentismo” é “fatal às inteligências”.[MACHADO DE ASSIS,1959/1858:801]
Esse indiferentismo, segundo Machado de Assis, “sem abater de todo as tendências literárias, todavia podem fatigá-las reduzindo-as a um marasmo apático, sintoma doloroso de uma decadência prematura.”, já manifesta na segunda metade do século XIX
Na sua oposição ao indiferentismo dos espíritos positivos com relação as vocações e talentos chama atenção que eles direitos
Em função disso ele defende que:
“[…] aos olhares piedosos da sociedade moderna: negar-lhos é matar-lhe todas as aspirações, é nulificar-lhe todos os esforços aplicados na realização das idéias mais generosas, dos princípios mais salutares, e dos germens mais fecundos do progresso e da civilização.”[MAC1]ADO DE ASSIS,1959/1858:802
Os quais são complementados com alguns deveres e obrigações no exercício das vocações e talentos na esfera literária:
“No atual estado das cousas, a literatura não pode ser perfeitamente um culto, um dogma intelectual, e o literato não pode aspirar a uma existência independente, mas sim tornar-se um homem social, participando dos movimentos da sociedade em que vive e de que depende.”[MACHADO DE ASSIS,1959/1858:801]
A sua análise das manifestações das três formas literárias essenciais: o romance, o drama e a poesia no seu tempo presente fica evidenciado o não cumprimento dos direitos e deveres referidos acima.
Para Machado de Assis “ninguém que for imparcial afirmará a existência das duas primeiras (o romance e o drama) entre nós; pelo menos a existência animada, a existência que vive, a existência que se desenvolve fecunda e progressiva.” Ao tempo em que revela certo desconforto com a difusão dos romances franceses “[…] que discute, aplaude e endeusa a nossa mocidade, tão pouca escrupulosa deferir as susceptibilidades nacionais.” [MACHADO DE ASSIS,1959/1858:802]
A radicalidade da crítica se repete com relação ao teatro:
“(A) êsse respeito somos o povo mais parvo e pobretão entre as nações cultas. Dizer que temos teatro, é negar um fato; dizer que não o temos, é publicar uma vergonha. E todavia assim é. Não somos severos: os fatos falam bem alto. O nosso teatro é um mito, uma quimera.”[MACHADO DE ASSIS,1959/1858:802]
A origem do problema não está no público o qual, no entendimento de Machado de Assis, “não é avaro em aplaudir e animar as vocações”, mas na “inundação de peças francesas, sem o mérito da localidade e cheias de equívocos”, promovidas pelas direções e empresas que imprimiram uma lógica que levou a “arte tornar-se uma indústria.”[MACHADO DE ASSIS,1959/1858:802]
Neste processo, para Machado de Assis, “a tradução é o elemento dominante”, daí ele propor como solução uma “reforma dramática” por meio de “operações políticas”, o que ele nomeia de um “golpe de estado literário” sobre o “cezariato de bastidores, imoral e vergonhoso, pois que tende a obstruir os progresso das artes”. Um “golpe de estado literário” que Marchado faz questão de por em termos claros:
“[…] um tratado sobre direitos de representação reservados, com o apêndice de um imposto sobre traduções dramáticas, vem muito a pêlo e convém perfeitamente às necessidades da situação”.[MACHADO DE ASSIS,1959/1858:802]
Machado de Assis: parte do problema, modela-o e propõe uma solução com convicção.
“Removido este obstáculo, o teatro nacional será uma realidade ? Respondemos afirmativamente […] A sociedade é uma mina a ser explorada…Estudem-na […] Não divagamos mais; a questão esta toda neste ponto. Removidos os obstáculos que impedem a criação do teatro nacional, as vocações dramáticas devem estudar a escola moderna. Se uma parte do povo está ainda aferrada às antigas idéias, cumpre ao talento educá-la, chamá-la à esfera das idéis novas, das reformas, dos princípios dominantes. É assim que o teatro nascerá e viverá; é assim que se há de construir um edíficio de proporções colossais e de um futuro grandioso.”[MACHADO DE ASSIS,1959/1858:802–803]
Enfim, o esboço de um framework possível de ser mobilizado na formulação de política cultural.
REFERÊNCIA
MACHADO DE ASSIS, O Passado, o presente e o futuro da literatura IN Obr as Completas III (Poesia, Crônica, Crítica Miescelânia e Epistolario) Rio de Janeiro, Ed. José Aguillar, 1959. pp. 799–803 (Publicadas originalmente na Marmorta, entr 9 e 23 de abril de 1858)