MACHADO DE ASSIS E A CRÍTICA LITERÁRIA OFICIAL: Da Sacristia de Igreja a um Tribunal de Censura
IHERING GUEDES ALCOFORADO
Machado de Assis, o policymaker, trata de todo o ciclo de vida do que se entende na atualidade por uma política (policy) publica cultural, tanto estatal como privada: o diagnóstico do problema, a modelagem, o desenho da intervenção e a avaliação dos resultados.
Nesta nota faço uma aproximação a esse legado de forma seletiva, pois me detenho nas suas intervenções reformistas nos procedimentos de avaliação oficial da nossa produção cultural por meio do conservatório. O objetivo é duplo: i) evidenciar os fundamentos e a pertinência das reformas sugeridas na crítica literária,entendida como a avaliação da nossa produção literária na segunda metade do século XIX e, ii) mostrar que sua abordagem adota um procedimento que hoje se nomeia de benchmark, e, portanto uma fonte de insights para os policymakers contemporâneos envolvidos com a política cultural em geral e, a política literária em particular. Com este propósito introduzo seu diagnóstico e sua proposta de reforma da crítica literária oficial objeto de artigos artigos publicado em O Espelho (RJ) em 25 de setembro, 2 de outubro e 25 de dezembro de 1859 e, em A Marmota (RJ) em 16 de março de 1860
O policymaker Machado de Assis parte de uma problematização da premissa que “a literatura dramática tem, como todo o povo constituído, um corpo policial que lhe serve de censura e pena: é o conservatório” cujos fins são ou devem ser moral e intelectual. Sua problematização não se reporta a instituição conservatório em si, mas ao que é e, o que deveria ser.
Para ele, essa instituição deveria ter dois fins: i)um fim moral a ser alcançado por meio da “ ”correção das feições menos decentes das concepções dramáticas”, o que envolve o julgamento de “uma composição pelo que toca às ofensas feitas à moral, às leis e à religião” e, ii) um fim intelectual que se reporta ao “mérito puramente literário”, ou seja, ao pensamento criador, a construção cênica, ao desenho dos caracteres, na disposição das figuras, no jogo da língua. [MACHADO DE ASSIS, 1959:808–809]
O diagnóstico de Machado de Assis da crítica oficial é focada na “constituição interna, na lei de organização” do Conservatório que estabelece suas atribuições. O diagnóstico está baseado na referida constituição que limita as atribuições do Conservatório ao se restringir no “apontar os pontos descarnados do corpo que a decência manda cobrir: nunca as ofensas feitas às leis do país, e à religião … do Estado, mais nada.”; ou seja, atende apenas parcialmente a primeira finalidade que Machado de Assis atribui a um Conservatório, descartando totalmente o que ele considera o segundo fim de um Conservatório: uma magistratura intelectual que julga o valor literário de uma composição, por meio do que exerce “[…] uma função civilizadora, ao mesmo tempo que pratica um direito de espírito” [MACHADO DE ASSIS, 1959:809]
As sugestões de Machado de Assis são feitas da perspectiva de um conhecedor da “matéria de arte e literatura” que mesmo reconhecendo que o governo não tem sido indiferente a questão, chama atenção que “olham muito do alto; não tomam o trabalho de descer à análise para dar a mão ao que merece”. E é isso o que Machado de Assis faz ao extrair das suas observações da sua vivência como um intelectual no mundo de arte e literatura, mas principalmente como um servidor público sensível atento as restrições regimentais e as janelas de oportunidades de reformas abertas pelo debate parlamentar em curso que acompanhava atentamente.
Enfim, a proposta de reforma do Conservatório insinuada por Machado de Assis deveria, no seu entendimento, assegurar não só os direitos conferidos por uma reforma que contemplasse os dois fins: o moral com extensão ao institucional e ii) o literário; mas também os direitos de capacidade, conferidos pela inteligência e pelos conhecimentos. Ou seja, sua reforma envolvia os estatutos e a composição dos membros do Conservatório que deveria agir como um tribunal de censura.
REFERÊNCIA
MACHADO DE ASSIS, O Conservatório Dramático IN Obras Completas III. Rio de Janeiro: Editora José Aguillar, 1959, pp. 808–811 [Textos originalmente publicados no O Espelho (RJ) em 25 de setembro, 2 de outubro e 25 de dezembro de 1859 e, em A Marmota (RJ) em 16 de março de 1860