MACHADO DE ASSIS: A Temporalidade Como Critério Valorativo — Ihering Guedes Alcoforado

Ihering Guedes Alcoforado
3 min readJun 9, 2020

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Uma possibilidade de aproximação à meta-narrativa de Machado de Assis encontra-se em dois achados hermenêuticos inseridos nas suas crônicas, por meio dos quais podemos ir aquém e além do seu texto e, assim, tomar consciência dos dois principais critérios valorativos adotados por Machado de Assis na formação dos seus juízos de valor sobre os mais diversos aspectos da realidade brasileira de meados do século XIX. Os dois achados hermenêuticos são expressos por meio das clivagens espaciais e temporais.

A clivagem espacial manejada pelo bruxo do Cosme Velho foi objeto da nota Machado de Assis: Crime e Virtude, nos qual evidenciamos como a espacialidade de uma ação determina sua institucionalidade, oscilando entre crime e virtude. Enquanto que a mostração da clivagem temporal feita por Machado de Assis e suas implicações normativas é o objeto desta nota.

Machado de Assis utiliza a clivagem temporal para evidenciar a perenidade e contingência dos entes e dos atos, e, ao utilizá-la (a clivagem temporal) como critério valorativo na formação do seu juízo acerca de alguns dos aspectos salientes da realidade brasileira de meados do do século XIX, sempre valora o perene, em detrimento do contingente. [ALCOFORADO, 2020b]

Dando um passo a frente, chamo atenção que a referida clivagem valorativa escorada no perene em detrimento do contingente é replicada em diversos âmbitos da sua prática literária. E, apenas com o intuito ilustrativo chamo atenção para algumas dessas manifestações.

Machado de Assis maneja o critério de temporalidade na formação do seu juízo em diversos momentos. Ela se manifesta no âmbito da sua reflexão gramatical que se ancora na sua analise comprativa/valorativa dos substantivos com relação aos adjetivos. [ALCOFORADO, 2020b].

A instrumentalização da clivagem temporal também se manifesta na sua avaliação da temporalidade da enunciação, a partir de uma marcação da diferença entre os “arrufos” e o “estilo”, o que foi expresso, entre outros, na sua sua crônica Dialogo dos Astros publicada em 20 de junho de 1885, onde coloca na enunciação de Dom Sol o seguinte: Eu, no lugar dêle (o Imperador), só guardava as (cartas) que tivessem estilo…os arrufos passam, mas o estilo fica”.

Enfim, a temporalidade enquanto critério valorativo adotado por Machado de Assis pode ser apreendido e explorado a partir de dois ângulos distintos. Num ele é instrumentalizado pelo próprio Machado de Assis, a exemplo do que acontece na sua reflexão gramatical. No outro ele pode ser considerado como um critério que ele oferece para avaliação da sua própria obra, mas endereçada a posterioridade. E, nisto ele foi de certa forma exitoso, se levarmos em conta que o reconhecimento do seu legado no âmbito critica literária foi estabelecido (e, assim permanece) em torno do seu estilo, o que segundo ele é o que fica, enquanto os arroubos passam.

REFERÊNCIAS

ALCOFORADO, Ihering Guedes (2020a) Machado de Assis: Crime e Virtude, Verdade e Erro IN Medium. https://bit.ly/2YlLZRD

ALCOFORADO, Ihering Guedes.,(2020b) Machado de Assis: Sobre Substantivos e Adjetivos IN Medium. https://bit.ly/3dNYCeH

MACHADO DE ASSIS, Dialogo dos Astros IN Obra Completa III (Poesia, Crônica, Crítica Miscelânia e Epistolário). Rio: Ed. José Aguillar, 1959. Publicado originalmente em 20 de junho de 1885 pp. 493–494

MACHADO DE ASSIS, Impostos Inconstitucionais IN Obra Completa III (Poesia, Crônica, Crítica Miscelânia e Epistolário). Rio: Ed. José Aguillar, 1959. Publicado originalmente em16 de maio de 1885 pp.485–486

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Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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