INTEGRAÇÃO METRÔ-ÔNIBUS EM SALVADOR — Ihering Guedes Alcoforado*
“Imagine um absurdo político, eu apresento um precedente na Bahia” Governador Mangabeira
Neste Position Paper formulo uma avaliação positiva, porém crítica sobre a integração do sistema de transporte público de Salvador. O ponto de partida é que ao restringir a integração aos ônibus-metrô, desconsidera as Cooperativas de Mototaxis, as quais prestam um serviço de transporte público, preenchendo as lacunas do sistema que, decorre do não cumprimento pelos concessionários da obrigação contratual de ofertar o serviço de transporte público nas áreas concedidas.
Isto posto, chamo atenção que a integração metro-ônibus é positiva para os usuários exclusivo (mas, menos positiva para os moradores das áreas não atendidas pelo sistema formal) do referido sistema. O caráter positivo decorre da superação do jogo de soma-zero que, até recentemente, estabelecia a lógica de relacionamento entre os dois modais. E é um avanço porque
estabelece uma lógica do ganha-ganha, tanto entre os operadores dos
dois sistemas, como entre o operadores do sistema integrado e os usuários.
A lógica do ganha-ganha entre os operadores se manifesta na
contenção da tendência a queda do número total de usuários do sistema de transporte público, o que é bom que se diga, não é exclusivo de Salvador. O jogo do ganha-ganha entre os operadores envolve os usuários porque a integração operacional e tarifária aumenta a quantidade de serviço possível de ser utilizado pelo usuário.
No entanto, a despeito dos evidentes ganhos da integração é necessário
ressaltar que ela reafirma e, normatiza uma DISCRIMINAÇÃO ESPACIAL E RACIAL ODIOSA. Isto porque desconsidera na sua integração um outro sistema de transporte público que opera nas franjas dos sistemas oficiais, ou seja, as cooperativas de mototaxis (e de vans), as quais nos “fins de linhas” e nos “pés de morro” oferecem um serviço de transporte publico regular que alimenta o novo sistema integrada, ou seja, dar capilaridade ao novo sistema integrado, configurando um terceiro sistema de transporte público que, no entanto permanece fora do radar dos policy makers e gestores do sistema.
Este terceiro sistema é invisível por que não é contemplado na atual integração, embora ofereça um serviço regular de transporte público coletivo (no caso das vans) e individualizado (no caso das motos) para os moradores, dos morros, das vielas e becos, ou mesmo aglomerados de baixa densidade
populacional que estrutura a forma espacial da nossa cidade.
Os moradores dessas áreas mesmo tendo o direito de ser servido pelo sistema de transporte público, já que consiste numa obrigação contratual dos concessionários atende-las, mas que na pratica dado o padrão tecnológico baseado no ônibus e no metrô, o fornecimento deste serviço é inviabilizado tecnicamente, a partir do que se legitima o não atendimento.
No entanto, a prestação desse serviço é viabilizado pelas cooperativas de motáxis, tanto do ponto de vista técnico (por meio de motos), como econômico (atividade exercida como um por milhares de prestadores de serviço como fonte de renda). As cooperativas se viabilizam por adotar um outro padrão tecnológico (moto) e outras relações de trabalho (autonômos cooperados) e , assim conseguem suprir uma lacuna, ofertando um serviço regular que alimenta o sistema integrado oficial. Mas, paradoxalmente, em vez de ser considerada parte da solução do problema de mobilidade da população nessas áreas, elas tendem a ser consideradas como mais um problema pelas autoridades, ou mesmo desconsideradas.
Em função disso, a atual formatação da integração do sistema de transporte público de Salvador, evidencia uma DISCRIMINAÇÃO ESPACIAL E RACIAL, isto porque a maioria da população residente nessas áreas não atendidas pelo sistema de transporte público é afro descendente.
E, como se não bastasse a DESCRIMINAÇÃO ESPACIAL E RACIAL, a atual formatação da integração do sistema de transporte público de Salvador traz no seu bojo , uma DISCRIMINAÇÃO ECONÔMICA REGRESSIVA, já que a população em consideração, a mais pobre, é obrigada a pagar duas tarifas: uma que é compartilhada com todos os usuários do sistema integrado e, outra (encargo que o restante da população não tem) para poder ter acesso (motorizado) aos pontos de embarque no sistema.
Em consonância com a DISCRIMINAÇÃO ESPACIAL, RACIAL E ECONÔMICA REGRESSIVA do atual sistema integrado de transporte público de Salvador, a Minuta do Plano de Mobilidade de Salvador (PlanoMobSal), enfrentar o problema, toma a situação criada politicamente como natural. Isto porque seu foco é fundado no Transporte Ativo, conceito que foi concebido originalmente por médicos como uma política de saúde pública para enfrentar o estilo de vida sedentária decorrente da automobilidade dos residentes nas grandes metrópoles europeias, o que não em nenhuma correspondência com a realidade da população não atendida pelo sistema de transporte público.
Em resumo, da Minuta do PlanoMobSal se pode inferir que é bom para o meio ambiente e para a saúde que a mobilidade da população não atendida no seu direito de dispor de um sistema de transporte publico integrado, seja feita por meio do transporte ativo, ou seja, a pé. Ou que pague duas tarifas. UM ESCÁRNIO.
*Professor de Economia Urbana e de Economia dos Transporte do Departamento de Economia da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia.(iheringalcoforado@gmail.com)