GODARD: A Revolta no Plano Formal (Ihering Guedes Alcoforado)
“Quando penso bem, além da história psicológica de uma mulher que despreza seu marido, Le Mépris me parece a história de naufrágios do mundo ocidental, sobreviventes do naufrágio da modernidade, que se aproximam um dia, como os heróis de Verne e Stevenson, numa ilha deserta e misteriosa, cujo mistério é inexoravelmente a ausência de mistério, isto é, a verdade. »(Jean-Luc Godard)
Le Mépris (Godard, 1963), um adaptação da novela de Alberto Moravia Contempt, narra duas impossibilidades: i) a de filmar The Odyssey e, como consequência ii) a de amar num mundo em que não se pode filmar a Odisséia,
O plano da impossibilidade cinematográfica é estruturado a partir da relação de Michel Piccoli no papel do escritor Paul que vende sua alma ao produtor americano Prokosch, representado por Jack Palance, o qual contrata ninguém menos que Fritz Lang (no papel dele próprio) para dirigir a Odisséia. Enquanto no plano da impossibilidade amorosa é representado por Brigitte Bardot, no papel de Camille, a esposa de Paul, a Penelope doUlysses contemporâneo.
A primeira impossibilidade decorre de que não se pode filmar a Odisséia pela razão de não haver senão duas maneiras de a compreender: a do humanismo cultivado e tradicional, em vias de morrer, que é a de Fritz Lang, que sabe que a Odisséia é uma obra em que os deuses estão presentes e se encontra agora num mundo em que os deuses desapareceram; e a de Prokosch, que sequer sabia que havia deuses na Odisséia. O filme de Godard é uma tentativa de cercar a oposição entre Fritz Lang-Prokosch.
A segunda impossibilidade, a de amar, é encarnada por Camile, a personagem de Brigitte Bardot, que despreza o marido, que nada compreende do mundo que o circunda e vive na inconsciência total. Ou seja, num mundo em que não há mais deuses , em que homens adaptados não sabem sequer o que poderiam significar as palavras “deus” ou”amor”, nem que sentido poderiam dar a sua existência, o amor é impossível.
Enfim, em Méfris Godard expressa de forma emblemática a “arte da recusa”, a qual se interroga sobre a existência do homem no mundo moderno e que, por isso, é obrigada a situar-se num nível abstrato. E, é uma revolta no plano formal, o que lhe assegura permanecer ao nível da essência e da criação autêntica. Uma arte que recusa esta sociedade, uma arte humanista que assinala os perigos que ela apresenta ao homem, e que se expressa numa linguagem nova