GLEN WEYL: À Mesa com o Valor
[Matéria — Glen Weyl, de “Mercados Radicais”, defende aperfeiçoamento de mercados para superar capitalismo Por Diego Viana | Para o Valor, de São Paulo, 03/05/2019
Conhecendo o estilo do “À Mesa com o Valor”, o entrevistado diz, com bom humor, assim que encontra o repórter: “É uma pena, não vamos poder ter um daqueles jantares chiques”. A entrevista foi marcada para um café da manhã no Perseu Coffee House, na região paulistana de Cerqueira César, porque sua agenda estava lotada. Na semana que passou no Brasil, o economista americano Glen Weyl esteve no Rio e em São Paulo, onde enfileirou palestras, seminários e encontros, em locais como Faculdade de Direito da USP, Insper, Instituto Fernando Henrique Cardoso, Casa das Garças e Fundação Getulio Vargas do Rio.
A sequência de compromissos se deve ao lançamento do livro “Mercados Radicais: Reinventando o Capitalismo e a Democracia para uma Sociedade Justa” (ed. Companhia das Letras), escrito em parceria com o jurista Eric Posner, da Universidade de Chicago. O livro saiu nos EUA no ano passado e repercutiu com velocidade incomum. Inspirou a criação de startups, projetos de lei nos EUA, na Holanda e em outros países, e colocou o autor numa caravana ao redor do mundo.
“Durante mais de dois meses, estive literalmente em uma cidade diferente a cada dia”, afirma o jovem economista de 33 anos, que foi orientado no doutorado em Princeton pelo brasileiro José Alexandre Scheinkman, deu aulas em Yale, Chicago e Harvard e é pesquisador da Microsoft em Nova York. O livro foi recebido com resenhas elogiosas e algumas críticas.
Comercialmente, ele estima o sucesso de seu livro como “razoável”. “O Capital no Século XXI”, de Thomas Piketty, lançado em inglês em 2013, “vendeu três vezes mais que o nosso”, diz Weyl sobre o francês que ganhou a alcunha de “rock star da economia”, nesta entrevista no café localizado no térreo do Santos Augusta. De uso misto comercial, o edifício — “ativo, vivo e pulsante”, segundo o site — tem projeto assinado por Isay Weinfeld, um dos arquitetos de maior destaque no país, responsável pelo desenho de empreendimentos como os hotéis do Grupo Fasano.
“O sucesso que realmente me importa é que muita gente que leu o livro resolveu entrar em ação para fazer coisas acontecerem. Com todas as suas vendas, o livro de Piketty não resultou em nada prático”, diz. “Mercados Radicais” já é passado para alguém cuja dedicação principal e entusiasmada é a inovação social. “De tudo que venho falando agora, mais de 70% são projetos e ideias que aconteceram desde a publicação.”
Para resumir o espírito das propostas de “Mercados Radicais”, pode-se dizer que elas consistem em aperfeiçoar mecanismos de mercados para superar… o capitalismo. “Na verdade, não gosto muito do capitalismo”, diz. “Estamos lutando contra o capitalismo e o Estado-nação. Muita gente na esquerda quer usar o Estado como solução contra o capital, mas é um erro.”
A lista de elogios ao livro sugere que boa parte dos admiradores não compartilha da rejeição ao capitalismo. Articulistas da imprensa financeira, como “The Economist”, “Wall Street Journal” e “Financial Times” celebraram a ousadia das ideias. Parte da razão é que, ao falar em capitalismo, o que Weyl tem em mente são monopólios, monopsônios, corporações inchadas, centralizadas, detentoras de um excessivo poder econômico e político. Já seus leitores entendem o conceito como um regime de livre mercado.
E é assim mesmo que Weyl se define: “Mais socialista que [Karl] Marx, mais livre mercado que [Milton] Friedman”. O princípio por trás da definição é que, mesmo se em boa medida as filosofias são opostas, não adianta rejeitar uma em nome da outra, nem encontrar um ponto intermediário em que elas se conciliem. “É preciso encontrar uma verdadeira síntese, realçando as coisas certas que cada uma conseguiu apontar”, diz ele, entre pãezinhos, geleias e frios do café continental do Perseu.
Criado na cidade de Palo Alto, no coração das indústrias de tecnologias da baía de San Francisco, Weyl é filho de trabalhadores do setor de tecnologia e conviveu com ativistas sociais desde pequeno. Sua primeira influência política foi um primo de inclinações trotskistas, que o levou a se identificar como socialista. Rindo, conta que tinha cabelos pintados em três cores aos 10 anos e aos 7 fez sua primeira aparição televisiva. Um professor de matemática de Stanford o viu no bairro fazendo campanha para Bill Clinton à Presidência dos EUA e o convidou para participar de seu programa semanal.
A segunda influência política veio da extremidade oposta do espectro político: a romancista Ayn Rand (1905–1982), que retratou o empresário como um titã. Weyl conta ter lido Ayn aos 12 anos. “Durante cinco anos fui um republicano, vestia terno o tempo todo.” Chegou a fundar uma associação nacional de adolescentes republicanos e compareceu ao discurso inaugural de George W. Bush na presidência.
Sob o impacto da leitura da mais extremista defensora dos mercados, Weyl escreveu uma carta a Milton Friedman, expressando sua admiração. Recebeu uma resposta em que o economista de Chicago perguntava se não seria um erro de digitação a idade de 13 anos: o missivista parecia mais ter 23. “Convidei-o para vir tomar chá em nossa casa, mas ele não respondeu mais.” A fase juvenil à direita do espectro político americano durou até a entrada na universidade.
O jovem Glen Weyl passou a fazer campanha para candidatos do partido Democrata, começando pelo general Wesley Clark, comandante da Otan durante a Guerra do Kosovo (1998- 1999), que tentou a indicação para a candidatura presidencial, mas acabou endossando John Kerry. Essa campanha rendeu frutos no campo pessoal. Ali o então estudante de economia conheceu a futura cientista política Alisha Holland, com quem se casou alguns anos depois. Juntos há 15 anos, eles se preparam para o nascimento da primeira filha.
VOTAÇÃO QUADRÁTICA. O coautor de “Mercados Radicais”, Eric Posner, é um respeitado professor de direito da Universidade de Chicago, cuja personalidade é quase oposta à de Weyl. “Ele é o ápice da ‘torre de marfim’”, conta o economista, aos risos. “Muito monótono, nada emocional, extremamente detalhista, não está preocupado em reconciliar nenhuma ideologia com nada.” Posner e Weyl trabalhavam em temas de regulação financeira em 2011. Foram convidados para uma conferência e marcaram um encontro para discutir o que escreveriam. O lugar escolhido foi uma casa de café da manhã frequentada por trabalhadores, próxima à universidade. Passaram três horas discutindo a “votação quadrática”, que Weyl vinha esboçando desde 2009. “Ele disse que não sabia se tinha entendido direito, mas se fosse o que pensava, poderia solucionar muitos dos problemas que estava investigando.”
A votação quadrática é uma das propostas de “Mercados Radicais”. Os autores a veem como aperfeiçoamento em relação ao princípio tradicional de um voto por pessoa. Cada eleitor teria direito a uma quantidade fixa de créditos para votar em temas e poderia distribuí-los como desejasse, dando mais peso aos assuntos que lhe interessam. Porém, para cada unidade de voto dado em um certo tema, perde-se proporcionalmente mais créditos: o primeiro voto consome um crédito; o segundo, quatro; o terceiro, nove. Espera-se, assim, que o eleitor sopese cuidadosamente o quanto cada questão lhe interessa.
TAXAÇÃO AUESTIMADA. Outra proposta bastante heterodoxa é um sistema de posse e impostos chamado Cost, ou “propriedade comum, taxação autoestimada”, pelo qual ninguém teria direito à propriedade de um bem indefinidamente, apenas o direto a usufruir dele. Baseado num sistema da Grécia clássica, cada um teria de estimar o valor de seus bens e pagar um imposto proporcional a essa estimativa. Ao mesmo tempo, todos teriam o direito de adquirir os bens uns dos outros, contanto que pagassem o preço estimado.
A ideia é que, com isso, não houvesse incentivos nem para subestimar, nem para superestimar o valor de suas posses. Weyl e Posner estimam que não apenas a alocação dos recursos seria mais eficiente, como a arrecadação desse imposto teria o efeito de reduzir a desigualdade e o caráter regressivo de muitas taxas atuais.
Há também sugestões para racionalizar a imigração, para lidar com o excesso de poder de investidores institucionais e para compensar o desequilíbrio de forças entre corporações, particularmente de tecnologia, e trabalhadores. As referências que aparecem no livro são autores como o americano Henry George (1839–1897), para quem a terra era um bem que não deveria ser objeto de propriedade privada; William Vickrey (1914–1996), Prêmio Nobel de 1996, que levou adiante as ideias de George estudando os bens públicos; e os “radicais filosóficos” dos primórdios da economia política, como Adam Smith (1723–1790), marquês de Condorcet (1743- 1794), Jeremy Bentham (1748–1832) e outros.
À primeira vista, esses projetos parecem exigir um conhecimento considerável de matemática, já que envolvem operações quadráticas e estimativas de valor e taxação. Mas Weyl se esmera em demonstrar que não é o caso, puxando o celular à primeira menção de uma complexidade excessiva. “Vou mostrar quanta matemática é preciso saber para usar a votação quadrática”, diz, apresentando um aplicativo de interface simples, com a contagem de créditos no alto e uma sequência de perguntas, às quais correspondem mãos com polegar para cima ou para baixo. As questões tratam de temas sensíveis da atualidade: migração, gastos sociais, impostos. A cada voto a favor ou contra determinada ideia, os créditos registrados vão diminuindo proporcionalmente: um para o primeiro, quatro para o segundo, nove para o terceiro.
O criador do aplicativo comenta a diferença entre os usuários mais estudados, principalmente os que conhecem matemática, e os menos escolarizados. O primeiro grupo tende a ler todas as questões, calcular na cabeça qual é a proporção de suas preferências e só então votar, tudo de uma vez. Já o segundo grupo vota desabaladamente e, quando percebe que ficou sem créditos, volta para reconsiderar e reorganizar as proporções. “Mas se fazemos uma comparação com outras maneiras de medir as preferências das pessoas, o que descobrimos é que o segundo grupo, na verdade, vai muito melhor.”
O responsável por colocar Weyl na rota de novos projetos, que chegam a negar algumas das ideias contidas no livro, é o russo-canadense Vitalik Buterin, de 25 anos. Ele criou a Fundação Ethereum, que busca desenvolver as possibilidades da tecnologia Blockchain — popularmente conhecida graças à sua principal criptomoeda, Bitcoin — em outras maneiras de aplicação, como no registro de contratos descentralizados.
“Apareceu no Twitter um comentário de um desconhecido sobre um artigo meu em 2017. Na hora não dei muita bola, mas tive mais repercussão com esse único tuíte do que com tudo que eu jamais tinha publicado.” O personagem, em suas palavras, parecia estereótipo de vilão de James Bond: russo, com nacionalidade canadense, endereço na Suíça (sede da fundação Ethereum) e uma fortuna amealhada com pouca idade.</p>
Desconfiado, mas instigado, Weyl enviou ao jovem uma prova de seu livro ainda não publicado e recebeu de volta um calhamaço de 20 páginas com comentários. “Ele adorou o livro, mas tinha um monte de coisas inteligentes para dizer a respeito. Muito bem pensado e detalhado.” A partir de então, passaram a escrever juntos, e Buterin convidou Weyl para participar de uma conferência do Blockchain, no ano passado.
Os contatos ao redor do mundo e o encontro com Buterin desencadearam um processo que resultou na principal atividade do economista após o livro, o projeto RadicalxChange, que põe em contato startups, ativistas, pesquisadores e artistas para criar mecanismos que solucionem problemas da sociedade. A iniciativa foi inaugurada com uma conferência em Detroit, “porque é uma cidade que foi maltratada tanto pelo Estado-nação quanto pelo capitalismo”, explica. “Queríamos fazer dessa cidade castigada um verdadeiro símbolo.” Ao longo das últimas duas décadas, esvaziada economicamente e com a população reduzida à metade, a cidade do Michigan se viu enredada numa dívida pública impagável e chegou a declarar falência em 2013.
Com os bairros mais afluentes abandonados por seus antigos moradores, começaram a proliferar hortas comunitárias, sistemas locais de troca (Lets) e cooperativas. “Tudo que está acontecendo lá tem bastante a ver com o que fazemos. Detroit tem muitas iniciativas que usam Blockchain”, diz. “Pensamos que poderia se tornar um centro para um outro tipo de inovação: a inovação em organização social, em vez de apenas inovação nos negócios.” A conferência foi o primeiro passo na constituição de uma organização sem fins lucrativos, que tenta colocar em prática ideias do livro. Grupos semelhantes, inspirados no evento de Detroit, começaram a se espalhar pelo mundo, particularmente a América Latina e ainda mais particularmente o Brasil.
As propostas também despertaram interesse de políticos e gestores públicos, da equipe do presidente mexicano Andrés López Obrador, quando ainda era candidato (“Nunca mais ouvimos deles”), até membros da Comissão Europeia e pré-candidatos à Presidência dos EUA. Às vezes, as aplicações são inusitadas: em Taiwan, o governo decidiu usar a votação quadrática para escolher o vencedor de um evento que vai patrocinar: uma “hackathon presidencial”, isto é, uma maratona em que programadores trabalham intensivamente criando códigos.
Buterin e Weyl, por sua vez, estão trabalhando numa versão da votação quadrática que serve para crowdfunding e filantropia, chamada “finança quadrática”. “De todos os meus novos projetos, esse é provavelmente o mais importante.” É um aperfeiçoamento dos sistemas de “matchfunding” para o financiamento coletivo. Atualmente, esses sistemas têm um funcionamento que pode ser dito linear: para cada valor doado por um indivíduo a um projeto, uma empresa, fundo ou instituição pública entra com o mesmo valor ou com um múltiplo dele.
Na versão quadrática, o valor acrescido pelo fundo é a raiz quadrada da soma dos quadrados de cada contribuição. Assim, projetos com muitos doadores contribuindo com somas baixas receberão mais correspondência; um projeto que tem um único doador com grande soma não receberá nada. Isso significa que o aumento da contribuição tem retornos decrescentes, favorecendo a disseminação em comunidades mais amplas e inibindo concentração de poder.
“O objetivo é criar formas de financiar bens públicos que não dependam dos Estados-nação e das corporações. O Estado é lento, sua tecnologia social tem origem histórica que não reage aos problemas de hoje. As corporações visam o lucro e não são administradas democraticamente pelas pessoas que usam seus serviços. Tentamos criar um sistema ágil como o empreendedorismo, mas com gestão democrática.”
Segundo Weyl, desde que a ideia começou a ser publicada, já há aplicativos tentando colocá-la em prática. Um é a Gitcoin, plataforma de arrecadação de recursos que usa o sistema Ethereum, voltada para o desenvolvimento de softwares de código aberto. “Não queremos que governos ou corporações desenvolvam esses softwares, porque não têm os incentivos certos. Quem tem esses incentivos são as comunidades, os desenvolvedores.” Usando o sistema de financiamento quadrático, plataformas como essa podem funcionar como cooperativas, “mas cooperativas matematicamente formalizadas”.
IDENTIDADE SOCIAL INTERSECCIONAL. O projeto mais ambicioso de Buterin e Weyl nasce do desconforto com o Blockchain, mais especificamente sua estrutura de dados. “O problema é que no Blockchain tudo é ou totalmente público, ou totalmente privado; mas na vida real nada está nesses extremos. Tudo é mais ou menos público para as comunidades de que cada um faz parte”, diz. A fonte de inspiração para essa crítica é o sociólogo alemão Georg Simmel (1858–1918). Autor de escrita densa e difícil, Simmel ficou à margem do cânone sociológico no último século, lido sobretudo por quem busca um caminho heterodoxo ou por quem se interessa por sua “Filosofia do Dinheiro” (1900). “Simmel mostra que os indivíduos não são ilhas e a sociedade não é um todo. As pessoas são partes de várias diferentes comunidades.”
A solução que eles buscam é substituir o Blockchain por um novo sistema, ou melhor, por uma nova estrutura de dados. “O nome com que estamos trabalhando é ‘identidade social interseccional’.” O princípio é que os dados de cada pessoa são armazenados numa base de dados em que suas informações se referem não só a ela mesma, mas também a quem compartilha determinado dado: por exemplo, sua data de nascimento se refere também a seus pais.
“Isso cria uma rede de dados compartilhada com pessoas diferentes e permite que a informação seja verificada por meio das redes de confiança que existem, porque é provável que você confie em alguém que confia em alguém que está naquela rede. Assim, pulando de pessoa em pessoa, pode-se chegar a qualquer um.”
A ideia é que os processos sejam mais ágeis e, ao mesmo tempo, menos permeáveis à vigilância de entidades poderosas: um banco de dados unificado, pertencente a uma grande empresa como Google, Facebook ou Amazon, reúne todas as informações sobre alguém no mesmo espaço e igualmente acessíveis. Um governo que queira espionar cidadãos precisa apenas pedir os dados à empresa, mesmo que secretamente.
A base de dados interseccional visa tornar essa tarefa trabalhosa demais, porque as informações estariam disseminadas pela rede segundo comunidades de afinidade. “Para conseguir a informação necessária a uma investigação, é preciso pedir a uma infinidade de pessoas. O resultado que esperamos é uma democratização do processo de conhecimento da investigação.”
Apesar de estar envolvido com a comunidade criptográfica do Blockchain, Weyl se diz desconfiado das criptomoedas e da maioria dos usos a que a tecnologia foi aplicada até hoje. “Tudo soava como um golpe. E os contratos inteligentes ignoram o fato de que não se pode colocar tudo dentro de um contrato. Acho a tecnologia Blockchain muito questionável.” Relata que jamais possuiu, nem possuiria, bitcoins. “Não só nunca tive criptomoedas, como em dezembro de 2007, quando o valor do Bitcoin estava no auge, vendi minhas ações, porque achava que o mercado acionário podia ser arrastado para baixo quando tivesse o crash das criptomoedas.”
Naquele momento, o valor do Bitcoin chegou a bater em quase US$ 20 mil, após ascensão meteórica ao longo do ano, partindo de meros US$ 1 mil. Como o economista previa, 2018 foi o “annus horribilis” da criptomoeda, que desceu para a casa dos US$ 3 mil em março. O mercado de ações, no entanto, seguiu incólume. “No fim das contas, se em vez disso eu tivesse vendido criptomoedas a descoberto, hoje eu estaria muito rico.” Seu interesse pelo tema vem mais do lado humano. “Adoro a comunidade, que tem feito coisas maravilhosas, com e sem o Blockchain, e tem um conjunto de valores e crenças de descentralização que me são muito caros.”
Um traço evidente em Weyl é a amplitude de sua formação, incomum para um economista. Ele se define como economista político, em referência aos autores que desenvolveram a economia antes da “revolução marginalista”, na segunda metade do século XIX. São nomes como Adam Smith, David Ricardo, John Stuart Mill e Karl Marx, para quem os problemas de troca, produção, financiamento e relações de trabalho não formam um universo à parte, mas estão inseridos no curso da vida das pessoas e dos países. Outra definição que Weyl dá de si mesmo é “tecnólogo social”, por usar ferramentas como o design de mecanismos para encontrar sistemas que melhorem o funcionamento de aspectos das sociedades.
“O livro tem sido recebido melhor no Brasil do que em qualquer outro lugar do mundo”, diz Weyl, acrescentando que as vendas no país são melhores do que nos EUA. “Percebo que as pessoas aqui estão com uma sensação forte de que a situação é de crise”, estima. “Há muito medo e infelicidade nas pessoas.” Por sinal, o Brasil tem seu quinhão de responsabilidade pelas ideias de “Mercados Radicais”. Acompanhando sua então namorada e hoje mulher, o economista passou o verão de 2007 no Rio, no bairro da Gávea. “Mesmo durante a crise financeira, que estava começando quando cheguei lá, as pessoas estavam relaxadas, o real estava valorizado. Parecia que tinha muita riqueza e dinamismo. Agora parece que todos se tornaram cínicos sobre economia e política, e todos estão preocupados.”
A ideia da votação quadrática surgiu em 2009, em seguida à passagem pela cidade. Era um período em que moradores de favelas estavam sendo removidos das áreas onde viviam, em nome da Olimpíada e da Copa. “Pensei que esse sistema poderia ser usado para que as pessoas decidissem quanto deveriam receber para sair de suas casas.” Weyl não comentou sobre essa relação entre o Rio e a votação quadrática com amigos cariocas, mas recentemente alguns tiveram a ideia de usar sua proposta do sistema de taxação autoestimada como alternativa à titulação de propriedade nas favelas.
Esta entrevista com Weyl foi feita durante as últimas horas de sua estadia em São Paulo, no mês passado. No mesmo dia, tomou avião para Nova York e explicou por que a passagem foi tão curta: “Mês que vem nasce minha filha”. Em seguida, contou como foi escolhido o nome da criança, Alma. “Nossas línguas são o inglês, o espanhol [sua mulher é de origem panamenha], o alemão e o hebraico. Alma é o único nome feminino que é nativo para os quatro idiomas.” Mesmo essa escolha se relaciona com os projetos que Weyl desenvolve em parceria com Buterin e a comunidade do Blockchain. No nome se expressa a visão de que a identidade de Alma também será “a intersecção de todas as comunidades linguísticas de onde ela se origina”.