Freudian Theory and the Pattern of Fascist Propaganda by Theodor W. Adorno (1951): Uma Nota de Leitura— Ihering Guedes Alcoforado

Ihering Guedes Alcoforado
4 min readAug 6, 2020

”[…]o fascismo não é simplesmente a recorrência do arcaico, mas sua reprodução na e pela civilização’. [ADORNO, 1951]

Adorno teve sua vida e sua agenda de pesquisa marcada pela experiência totalitária do nazismo alemão. E foi na condição de exilado que fez uma exaustiva analise das manifestações políticas totalitárias nos EUA.

O artigo Freudian theory and the pattern of fascist propaganda. In G. Róheim, Psychoanalysis and the social sciences (1951) apresenta o resultado de uma análise de conteúdo do material de propaganda fascista nos EUA e nos desvela o porque de tal material revelar pouca preocupação “com questões políticas concretas e tangíveis” pois como constatou “a maioria esmagadora das declarações dos agitadores é dirigida ad hominem.”

O ponto de partida da sua análise foi a constatação que […] o método dos agitadores é verdadeiramente sistemático e segue um padrão rigidamente estabelecido de “dispositivos” definidos”.

Para compreender o porque de tal procedimento ele parte de duas constatações preliminares. A primeiro é que tal material se baseava “[…] mais em cálculos psicológicos que na intenção de conseguir seguidores por meio da expressão racional de objetivos racionais”, o que justifica o seu recurso a Freud e sua abordagem fundada no “questionamento daquilo que é geralmente aceito.” E, o segundo é que a mentalidade fascista expressa em tais textos é uma unidade estrutural cuja essência psicológica: a paranóia.

A partir destas constações ele foi além da análise corrente focada em cada dispositivo em particular e tratar do sistema psicológico, e, para tanto faz uso do do quadro de referência teórica desenvolvido por Freud em Psicologia das massas e análise do eu, de 1922, qual “[…] consiste numa interpretação dinâmica da descrição da mente de massa por Le Bon e numa crítica de alguns conceitos dogmáticos”

Adorno baseado em Freud e, diferentemente dos psicológos pré-analíticos “[…] busca descobrir quais forças psicológicas resultam na transformação de indivíduos em massa […], tendo como foco sua “natureza libidinal”, o que lhe permitiu desvelar os “[…] mecanismos psicológicos transformam a energia sexual primária em sentimentos que mantêm as massas unidas”

Em função disso Adorno vai examinar como as lideranças fascistas mantêm “[…] a energia libidinal primária em um nível inconsciente, de modo a desviar suas manifestações de uma forma adequada a fins políticos”, assegurando as condições para as regressões que reduzem os sujeitos a meros membros de um grupo, o que e feito por meio do exame da propaganda fascista, cujo segredo “[..] pode bem ser o fato de que ela simplesmente toma os homens pelo que eles são.”

Para Adorno, a propaganda fascista “ […] é psicológica por causa de seus fins autoritários e irracionais, que não podem ser alcançados por meio de convicções racionais, mas apenas pelo hábil despertar de “uma porção [da] herança arcaica” do sujeito” e tem como eixo a relação de “identificação” das massas com o líder: o “grande homem comum” (great little man). Este processo implica no seu entendimento “a substituição do narcisismo individual pela identificação com a imagem dos líderes”, o que ainda segundo ele, “aponta na direção do que poderia ser chamado de apropriação da psicologia de massa pelos opressores.”

Para Adorno na relação de identificação” das massas com os líderes, estes “ são geralmente tipos de caráter oral, com compulsão a falar incessantemente e a enganar os outros.”

E, arremata,

“o famoso encanto que exercem sobre seus seguidores parece depender largamente de sua oralidade: a própria linguagem, destituída de sua significação racional, funciona de um modo mágico e promove aquelas regressões arcaicas que reduzem os indivíduos a membros de multidões. Uma vez que essa mesma qualidade de discurso desinibido mas largamente associativo pressupõe pelo menos uma falta temporária de controle do eu, ela bem pode indicar fraqueza em lugar de força.”

Mas, ressalta a natureza intuitiva desse processo ao registrar que “quando os líderes se tornam conscientes da psicologia de massa e a tomam nas próprias mãos, ela deixa de existir, num certo sentido.”

Enfim, segundo Adorno “pode-se perguntar: por que a psicologia de grupo aplicada discutida aqui é mais peculiar ao fascismo que à maioria dos outros movimentos que buscam apoio de massa?” E, não titubeia: “ Somente uma teoria explícita da sociedade, que transcenda em muito os limites da psicologia, pode responder completamente à pergunta feita aqui.”

A conclusão não poder ser mais otimista: “A hipnose socializada cria no interior de si mesma as forças que eliminarão o fantasma da regressão por controle remoto, e que, no fim, despertarão aqueles que mantêm seus olhos fechados apesar de não estarem mais dormindo.”

REFERÊNCIA

ADORNO, Theodor W. (1951/2018) “Teoria freudiana e o padrão da propaganda fascista”. In: Ensaios sobre psicologia social e psicanálise. São Paulo, Unesp, 2015. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2018/10/25/adorno-a-psicanalise-da-adesao-ao-fascismo/.

Adorno, T. W. (1951). Freudian theory and the pattern of fascist propaganda. In G. Róheim, Psychoanalysis and the social sciences, Vol. 3 (p. 279–300).

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Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.