ENSINO-APRENDIZADO BASEADO EM PROBLEMAS [1]: Uma Nota Sobre a Obsolescência do “Professor-Arquivo-Morto” e a Ascensão do ‘Professor-Curador”
IHERING GUEDES ALCOFORADO
Um curso de graduação orientando na solução de problema tem duas justificativas: i) uma endógena e ii) outra exógena. A endógena reflete a trajetória do professor no campo da polítca e do planejamento, os quais se justificam pela promessa de resolução de problemas baseado na ciência. A exógena decorre da dinâmica do “tempo presente” que já foi apreendida por e sintetizada por diferentes pensadores do contemporâneo tanto no âmbito material como no cognitivo.
Bauman (2006), por exemplo, entende que vivemos uma “modernidade líquida” , ou seja as condições sob as quais os agentes atuam mudam numa velocidade tal que impede a consolidação de protocolos ( hábitos e rotinas). Giddens (1999) ressalta que a interdependência global do mundo nos coloca diante de uma realidade em fluxo (runwway world) tanto no âmbito material como cognitivo.
Esse novo cenário configura o que Barnett (2000) nomeou de um mundo supercomplex (supercomplex world) com problemas que não são possíveis de ser apreendidos e solucionados a partir de conhecimento gerados num campo particular, a exemplo da economia, dado que demandam para sua apreensão, modelagem e solução abordagens multidisciplinares criticas.
O resultado dessas mudanças não poderia deixar de impactar a dinâmica do ensino aprendizado nas universidades, o que já foi bem apreendido e registrado por Brew (2010):
“ Higher education teachers and managers have already taken on numerous new agendas. An improved understanding of how students learn in higher education contexts has shifted attention away from the lecture as the predominant form of university teaching to a more diverse diet of course offerings. Moves to evidence-based teaching and learning, including problem-based learning, increasing development and use of research-based curricula, as well as changes in research activity to include a greater involvement of students, are indications that cultures of inquiry in the teaching and the research domains may be being integrated and that new relationships between research and teaching are being introduced.
O novo cenário mudou a função e o papel professor no processo ensino-aprendizagem: passando de” professor-arquivo-morto” ao “professor-curador ”. Antes, tínhamos uma dissociação entre o ensino e a pesquisa e, no âmbito estrito do ensino o processo era estabelecido por meio de um tipo particular da relação professor-aluno. Neste contexto, o “professor-arquivo-morto” tinha como função transmitir o legado, na grande maioria das vezes por meio dos manuais; e, do outro lado, tínhamos o “aluno-tábua-rasa” como receptor passivos do conhecimento estabelecido nos manuais: o arquivo-tumulo do conhecimento. Agora, para que possamos apreender, modelar e administrar/equacionar os problemas complexos temos o “professor-curador” cuja função é capacitar os estudantes na identificação dos problemas, na sua modelagem e no seu equacionamentos por meio do estabelecimento de critérios de seleção, mobilização e produção do conhecimento necessários ao equacionamento do problema do estudante.
Neste novo cenário o grande desafio é a produção do conhecimento instrumental, porém criativo, uma condição sine qua non para o enfrentamento dos problemas supercomplexos inerente a modernidade líquida. Esse novo conhecimento não deve ser confundido com o que emana da realidade sem qualquer mediação categorial e conceitual, a exemplo do que se anuncia com os Big Data que propõe uma nova teorização sem que o processo de pensamento seja sustentado e nutrido por um telos, permanecendo aprisionado no “presentismo”.
O conhecimento a que me refiro emana do reprocessamento dos protocolos implícitos no legado categorial e conceitual do campo, tendo como referência a mesma realidade sobre a qual se debruça o Big Data, mas que se configura a partir de uma perspectiva não positivista que nos oferece duas possibilidades de acesso ao legado. Uma via a mediação dos manuais os quais oferecem subsídios valiosos para os problemas bem-estruturados manifestos na atualidade, mas que põe o jovem estudante diante de tumulo cognitivo, de um necrotério, cujo único horizonte do ponto de vista cognitivo é a de legista diante de um cadáver. A outra possibilidade é o acesso ao legado dos clássicos sem mediação, ou seja, por meio de uma revisitação dos textos seminais, de forma a por o estudante diante do momento (o contexto sócio-histórico-cognitivo) de gestação e criação das categorias e conceitos nos quais se ancora nosso campo, cada vez mais carente de novas categorias e conceitos necessários ao enfrentamento dos problemas complexos do tempo presente, que clamam por uma solução, a exemplo de boa parte dos problemas ambientais, pondo assim, o estudante numa situação análoga a de um ginecologista obstetra, ao ocupar-se do corpo de uma mulher durante o processo de gestação de uma nova vida. [2]
Um exemplo emblemático de uma atitude cognitiva fertilizadora a ser imitada pelos estudantes que almejam envolver-se no processo de criação conceitual e analítico é o radicalismo antropofágico de Ronald Coase [3], o qual se reporta não a um conjunto de idéias radicais, mas a uma atitude, um tipo de abordagem particular ao legado econômica fundado na crença que boa parte das premissas e, portanto, das consequências analíticas delas advinda são questionáveis, problematizável, indo de encontro a ideologização dos conceitos cristalizados que são virtualmente assumidos por todos como axiomas fundamentais do modus operandi dos economistas, em especial os policymakers que operam no marco do framework extraído da economia neoclássica expressa na economia do bem estar pigouviano capazes, como anunciou Paul Samuelson de modelar e equacionar problemas bem estruturados manifesto no universo ergódico, mas não os problemas não-estruturados que surgem no universo não-ergódico, como bem ressaltou Douglas North.
NOTAS
[1] Uma abordagem complementar é que foca o problema de forma indireta, já que enfatiza a pesquisa, o que pode se feito de quatro maneiras: i) research-led, o que implica orientar o aluno com a pesquisa corrente no campo,; ii)research-oriented o indicar as técnicas de pesquisa e habilidades no tratos de problemas concretos;iii) research-based fundir o ensino com a pesquisa e iv) resarch-tutored por meio da supervisão. [HEALEY & JENKINS,2009:6]
[2] Os approaches inquiry-based problem-based se superpõe. Por xemplo consideram que o inquiry-based learning na sustentabilidade inclui:i)problem orientation, i) solution orientantion, iii) relatedness to a case, iii) Difference-Based, iv) Plurality of Methods e, ao detalhar a primeira afirma que: “Problem Orientation Research questions are derived from concrete societal issues and require a case-based development of research designs as well as integrating heterogeneous bodies of knowledge that draw on different subjects and disciplines. Inquiry-based learning in sustainability science therefore makes working in a problem-oriented, interdisciplinary manner a necessity. This includes the constitution of fields of research that often exist between established subjects and disciplines, and which are yet to establish a firm place in the landscape of knowledge. A challenge faced by students of sustainability”[ VILSMAIER & MEYER, 2019:333–334]
[3] A relação antropofágica com o legado é uma pratica corrente das mentes mais criativas, a exemplo de Picasso que a parte de As Meninas de Velasquez, tendo como pano um novo contexto político e estético, deriva As Meninas de Picassso: duas obras primas das artes plásticas.
BIBLIOGRAFIA
BREW, A. (2010). Imperatives and challenges in integrating teaching and research. Higher Education Research & Development, 29(2), 139–150.
HEALEY, Mick., & JENKINS, Alan., (2009) Developing undergraduate research and inquiry. The Higher Education Academy — June 2009 https://bit.ly/3qwvQFT
VILSMAIER, Ulli & MEYER, Esther., Inquiry-Based Learning in Sustainability Science IN MIEG, Harald A., (ed.) Inquiry-based Undergraduate Research — The German Multidsciplinary Experience. Springer, 2019 pp. 331–340