DESASTRE DE BRUMADINHO:
Da Economia do Crime à Análise Econômica do Direito by Ihering Guedes Alcoforado
Ariaster Chimeli em matéria publicada na Folha de São Paulo e, que segue em anexo apresenta o desastre de Brumadinho, como uma tragédia anunciada que se concretiza e, afirma com pertinência que para “ entendermos isso, precisamos olhar para nossas instituições de proteção ambiental e social e para os incentivos que elas dão a agentes públicos e privados.”
A matéria é estruturada na perspectiva analítica da Economia do crime de Gary Becker (1968, 1970,1973), criando as condições para a qualificação do debate em curso e, o alinhamento a referida visão é expressa a seguir:
“A receita clássica para coibir crimes de qualquer natureza é aumentar a chance de o infrator ser pego e/ou aumentar a severidade da pena aplicada no caso da infração. A chance de apreensão e severidade de punição, por sua vez, depende de instituições formais e informais manifestadas em três pilares.O primeiro pilar são as regras claras de conduta, como leis e regulamentos formais ou códigos de ética informais. O segundo pilar é o monitoramento de atividades com potencial impacto na sociedade e no ambiente, como a fiscalização por parte de órgãos públicos e da sociedade civil. Por fim, o terceiro pilar é a punição por danos causados. “
É importante chamar atenção que a receita clássica referida acima não deve ser considerado “o” olhar acadêmico sobre a questão (e, acredito que não foi essa a intenção do autor), como não deve ser considerada com a “a” contribuição que se pode extrair do legado institucionalista de G Becker. Ou seja, é apenas “um” olhar inspirados nos insights seminais de G Becker e que, por não explorar os desdobramentos dos insights do Mestre no âmbito da Análise Econômica do Direito nos apresenta uma apreensão reducionista não só da problemática, mas principalmente da sua solução e, com implicações problemáticas manifestas tanto no plano analítico como político.
No plano analítico não consegue vislumbrar que qualquer mecanismo de mobilização e instrumentalização do conhecimento e expertise da Vale e das demais empresas atuantes no setor, a despeito desse conhecimento ser indispensáveis a construção de “regras claras de conduta, como leis e regulamentos formais”. Esse fato no nosso entendimento se deve ao frame da Economia do crime, no qual tais empresas são simples criminosas a ser enquadradas..
No plano político o resultado é que o esboço da sua proposta de ação a partir da receita clássica da economia do crime quando vista do ponto de vista do campo da formulação de política (policymaking) expressa um viés estatista e centralista questionado no texto seminal F von Hayek (1945) no qual formula sua crítica ao planejamento central por não mobilizar o conhecimento tácito, já que o Mestre austríaco considera possível a mobilização do conhecimento codificável. Na matéria de Ariaster Chimeli não fica claro a origem dos conhecimentos técnicos necessário ao desenho das normas coercitivas sugeridas.
Resumindo: temos uma análise reducionista da problemática evidenciada pelo desastre de Brumadinho e uma proposta policialesca que pouco contribui com o enfrentamento do desafio político (polictics, polity e policy) , enquanto construção de norma. sem perder de vista que estamos diante de um problema de mão dupla e que a solução precisa maximar o bem estar da sociedade..
É necessário reconhecer que a matéria tem o mérito de contribuir para a qualificação analítica e política do debate em devir, ao chamar atenção para o legado da economia do crime, e, assim nos por na ante-sala dos seus desdobramentos sinalizados pelo próprio Becker (1974)no âmbito da Análise Econômica do Direito , a qual, no nosso entendimento oferece um quadro analítico mais refinado e objetos mais recortados, a exemplo da analise do judiciário na construção da sentença, análise econômica do processo de decisão das agências governamentais no desenho e monitoramento dos protocolos e, portanto, mais adequado ao enquadramento analítico da problemática multi nível que veio a tona com o desastre de Brumadinho. É também preciso reconhecer que o referido desastre é uma representação emblemática de uma problemática complexa que se apresenta em latência em muitos outros setores estratégicos da economia brasileira, a exemplo do petróleo e gás e petroquímica, o que torna necessário que o embate em curso seja não só aprofundado tendo como referência o desastre de Brumadinho, mas também ampliado de forma a incorporar outros setores igualmente vulneráveis a grandes desastres.
Enfim, estamos diante do desafio de repensar toda a regulação das relações desses setores com o meio ambiente e, isto não pode ser feito no afogadilho de forma a evitar regimes ineficientes e ineficazes.
.REFERÊNCIAS
BECKER, Gary S., Essays in the economics of crime and punishment (Human behavior and social institutions)
1974
BECKER, Gary S., “Crime and
Punishment: An Economic Approach,” in The Journal of Political Economy Volume 76, №2, March!
April 1968;
HAYEK, Friedrich August von, “The Use of Knowledge in Society,” American Economic Review,v. 35, №4; September, 1945, pp. 519–30
LANDES, William M. , , “The Bail System: An Economic Approach,”The Journal of Legal Studies
11(1), January 1973;
LANDES, William M., Landes, “An Economic Analysis of the Courts,”The Journal of Law and Economics Volume X1V(1),
April 1971
POSNER, Richard A., “The Behavior of Administrative Agencies,” in The Journal of Legal Studies, Volume 1(2), June 1972
STIGLER, George J., “The Optimum Enforcement of Laws,” in The Journal of Political
Economy Volume 78, №2, March/April 1970;
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