Ihering Guedes Alcoforado
6 min readFeb 8, 2019

DESASTRE DE BRUMADINHO: Um Approach dos Riscos (Ihering Guedes Alcoforado)

non ridere, non lugere, neque detestare, sed intellegere (Spinosa)

A matéria do Prof. Roberto Macedo, Só fiscalizar barragens não resolve, sobre o desastre de Brumadinho e, publicada na Folha de São Paulo em 07/02/2019 é povoada de insights valiosos que, certamente, alimentará o debate em curso e, contribuirá para a construção de pesquisa focada neste acontecimento..

O primeiro e talvez o mais relevante não é enunciado, mas deixado implícito: o recorte analítico que privilegia o que os economistas chama de “planta” (unidade de transformação) e de “firma” (unidade de controle) que pode envolver não só várias plantas, mas vários negócios com múltiplas plantas, como é o caso da VALE. O segundo também implícito é que trata o risco da ‘planta” a partir da perspectiva da “firma’. Ou seja, o Prof. Roberto Macedo tece suas considerações tendo como referência a firma, a partir do trata entre outras questões os riscos e incertezas inerentes a negócio e, cujo tratamento dado pela Vale, levou em último instância não só ao desastre, mas a magnitude do dano

Para que se possa fazer uma avaliação ponderada dos seus insights é necessário ter em mente que historicamente, a firma sempre foi, em principio, central na analise micro econômica, mas de fato ela sempre foi considerada uma “caixa preta”, pois atenção sempre foi voltada para suas entradas (inputs) e saídas (output), ou seja, a firma reduzida a planta. A partir do que a agenda privilegia o estudo da sua eficiência como fundamento da sua lucratividade e valor de mercado.

Isto porque o Prof. Macedo a seu modo nos aponta as engrenagens da “caixa preta” da firma a partir da sua gestão dos riscos inerente a uma planta. A abertura seminal da “caixa preta” da firma foi a primeira grande contribuição Ronald Coase (1937), a partir da qual se desenvolveu uma tradição de análise endógena da firma e que nos seus desdobramentos nos oferece referências analíticas no enfrentamento do desafio posto pelo desastre de Brumadinho e, que se expressa na demanda de um enquadramento analítico das causas do acidente, ou seja, dos mecanismos de incentivos a Vale agir da forma que agiu. alocando seus ativos e o poder decisório necessário ao enfrentamento das questões gerenciais cotidianas e contingentes própria do seu negócio.

Neste âmbito, destaco a Teoria do Agente Principal, a qual oferece um quadro analítico que poderá não só justificar, mas principalmente orientar i) a alocação do poder decisório entre o agente e o principal e ii) os riscos.

Prof. Roberto Macedo, mesmo a partir de uma apreensão questionável da distinção de Knight entre risco e incerteza, extrai das suas observações do desastre de Brumadinho alguns insights valiosos com relação aos riscos e sua administração. Inicialmente ele sublinha que a administração dos riscos envolve dois aspectos essenciais: i) a probabilidade de se manifestarem e ii) a severidade dos danos a que podem levar, e, conclui que quando ponderado frequência e severidade dos danos, pode-se a) evita-los suprimindo as atividades b) reduzi-los por meio do aumento da segurança via inovação tecnológica, c) transferi-los a uma seguradora, d) compartilhar, uma forma de diluir os riscos entre seguradoras ou e) assumir riscos.

As ações de enfrentamento ao risco sistematizadas pelo Prof Roberto Macedo são associadas a dos conjuntos de questões que formam a agenda contemporânea do campo de estudo da firma: de um lado se coloca evitar e reduzir os riscos e, do outro lado, se posiciona as alternativas transferir, compartilhar e assumir os riscos.

O primeiro grupo é composto das ações que visam evitar e reduzir os riscos, as quais são decisões associadas a produção e, portanto norteadas pelos custos e benefícios, ou seja se evita ou se reduz os riscos si os benefícios forem maiores que os custos. Segundo as observações do Prof. Roberto Macedo, a Vale não se evitou nem reduziu os riscos e danos em potencial. Ao que agrego, tal decisão deu-se porque os benefícios dessas omissão eram, nos cálculos da Vale, maiores que os custos. De um lado, porque os riscos são inerentes ao negócio de mineração, evita-los implica a não realização da atividade. Do outro lado, porque reduzir os riscos implica aumento de custos, os quais dado o ambiente institucional (responsabilidade civil objetiva) e seu enforcement, podia ser transferidos para a sociedade.

O segundo grupo é composto pelas decisões de transferir, compartilhar ou assumir os riscos. O Prof. Macedo constata que a Vale assumiu os riscos e elenca as possíveis restrições a transferência e compartilhamento, as quais no nosso entender são problematizáveis, dado que desconsidera possíveis contribuições das seguradoras, além da mera indenização, a exemplo dos protocolos de segurança a ser seguido pelas seguradas de forma a reduzir o máximo possível, ficando exposto as incertezas dado irredutibilidade. Do ponto de vista de um policy maker, a Vale deve ser considerada como posta diante da decisão canônica da firma coseana, ou seja, fazer ou comprar, que no caso de transforma em transferir/compartilhar vs. Assumir os riscos.

Resta desvelar ex post as justificativas do ponto de vista da Vale, enquanto uma agência racional, para tal decisão, o que em si configura um item da agenda pesquisa tendo em vista como alterar os parâmetros decisórios institucionalizados nos quais assentou a referida decisão. Da mesma forma que que solução insinuada pelo Prof. Macedo focada na redução dos riscos da atividade mineradora configura um outro tópico da agenda de pesquisa. Eis suas palavras:

“ proibir novas barragens a montante e o funcionamento das existentes. Respeitado um período de ajuste, isso não paralisaria a mineração, pois há tecnologias modernas que dispensam o uso de barragens de resíduos, qualquer que seja o seu tipo. Mas é preciso dar um tempo às mineradoras, sem asfixiá-las financeiramente ou em suas atividades produtivas”

A proposta do Prof. Macedo ilustra o tipo de política sugerida pelos policy maker que operam com o frame do comando-sem-controle proposto por M Porter, segundo o qual o governo deve estabelecer as metas, e um prazo exequível para sua concretização, deixando em aberto a forma e a técnica a ser utilizada, criando assim as condições para que a politica ambiental opere não só como um incentivo a inovação tecnológica, mas também como um jogo do ganha-ganha. Ganha a empresa pois custos com a inovação são inferiores as ganhos decorrentes da inovação e, ganha o meio ambiente e população e o meio ambiente por reduzir sua exposição aos danos provocados pelo negócio em tela. Resta ver se no caso, a teoria funciona na prática, como os vários estudos de casos elaborados a partir doframe de Porter mostram..

A Vale não fez seu dever de casa do ponto de vista de uma politica de segurança, pois não evitou nem reduziu os riscos e os danos, como também não transferiu ou compartilhou os riscos, preferindo “assumir” todos os riscos e consequências dos danos de uma atividade que do ponto de vista legal é agasalhada pela “responsabilidade objetiva”, a qual é mobilizada independente da culpa do agente. O que se constata, do ponto de vista institucional é um grande incentivo a ação negligente da Vale, o qual se encontra embutido no nosso regime de responsabilidade objetiva e seu enforcement, o que demanda uma refundação do instituto, mas jamais sua supressão.

Enfim, das observações e reflexões sobre os riscos que se manifestaram no desastre de Brumadinho pode-se traçar os contornos de uma agenda de pesquisa com dois eixos: o institucional e o organizacional.

O eixo institucional trata dos mecanismos embutidos no ambiente institucional que criaram as condições para que a Vale assumisse uma posição de risco com danos potenciais da magnitude revelada no desastre de Brumadinho, tendo em vista alterá-los de forma a passar a funcionar com um mecanismo de incentivos de redução dos riscos e de mitigação dos danos dos possíveis acidentes e desastres futuros e que no nossa hipótese provisória passa pelo nosso regime de responsabilidade civil objetiva.

O eixo organizacional envolve a identificação dos mecanismos gerencias com que a Vale gerenciou sua exposição aos riscos, que ex post se revelaram inadmissíveis comprometendo sua imagem e seus ativos simbólicos, o que no nosso entendimento envolve sua cultura organizacional e seus fundamentos éticos.

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https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,so-fiscalizar-barragens-nao-resolve,70002710954?fbclid=IwAR09kwpf-6fyLjq3Eb3NfF9xt7TNKR9ZM0zo8WRkos8rUk1d_uHs0qakoJY

Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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