CÁTEDRA LIVRE E. F. SCHUMACHER (Small is Beautiful)- Ihering Guedes Alcoforado

Ihering Guedes Alcoforado
6 min readJun 27, 2021

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A Cátedra Livre E. F. Schumacher patrocinada pelo Instituto Manoel Xavier de Carvalho (Xavierzão) é a ponta de lança para adentrarmos numa das questões jurídicas mais caras ao Dr. Xavier: os fundamentos dos direitos de propriedade, o que fica evidenciado ao nomear dois dos seus fillhos como Ihering (Rudolf von Ihering) e Savigny ( ): os expoentes alemães das duas filosofias do direito que visam fundamentar a propriedade e, em torno das quais se dá até hoje, em boa parte, o debate sobre a propriedade.

A opção por E. F. Schumacher deve-se não só a inovação decorrente da sua instrumentalização dos insights da Economia budista, mas também a atualidade e pertinência das suas questões para o Piemonte da Paraiba, região na qual predomina pequenas propriedades rurais, além de constituir uma ponte para o debate contemporâneo sobre a necessidade imperativa de mudanças institucionais, em especial as que criem as condições para o enfrentamento dos problemas contemporâneos, tendo em vista a promoção do desenvolvimento sustentável e inclusivo. [SCHUMACHER, 1973/1976: 45–53]

Neste sentido vale ressaltar que para Schumacher é fundamental um ambiente institucional que contenha o egoismo ou belicosidade da natureza humana, dirigindo sua mente para atividades práticas que apare as aporias do sistema apoiado no nosso ‘espírito animal”:

“É óbvio, de fato, que nenhuma modificação de sistema ou maquinaria pode evitar as causas de mal-estar social (social malaise) que consistem no egoísmo, cobiça ou belicosidade da natureza humana. O que isso pode gerar é um ambiente onde essas não sejam as qualidades estimuladas.[…] Ela não pode controlar as ações deles. Pode oferecer-lhes uma finalidade para onde dirijam suas mentes. E conforme forem suas mentes, assim será, a longo prazo e com exceções, sua atividade prática.” [R.H Tawney, apud SCHUMARCHER,19731976: 230]

E que para tanto torna-se uma necessidade imperativa uma problematização dos fundamentos metafísicos dos sistemas que agasalham nossas atividades nos mais diversos âmbitos:

“[…] nenhum sistema, maquinaria, doutrina ou teoria econômica depende de si mesmo: invariavelmente ele se ergue sobre uma fundação metafísica, o que quer dizer sobre a perspectiva básica que o homem tem da vida, seu significado e finalidade. […] Os sistemas nunca são mais nem menos do que encarnações das atitudes mais básicas do homem. SCHUMARCHER, 1973/1976:230] [1]

Isto porque:

“[…] nenhum sistema, maquinaria, doutrina ou teoria econômica depende de si mesmo: invariavelmente ele se ergue sobre uma fundação metafísica, o que quer dizer sobre a perspectiva básica que o homem tem da vida, seu significado e finalidade. […] Os sistemas nunca são mais nem menos do que encarnações das atitudes mais básicas do homem. [SCHUMARCHER, 1973/1976:230]

E, entre esses sistemas destaca o sistema moderno de empresa privada ancorado na propriedade, a qual como não poderia deixar de ser se assenta em fundamentos metafísicos:

“O sistema moderno de empresa privada engenhosamente emprega os impulsos humanos de cobiça e inveja como sua força motivadora, mas consegue superar as mais gritantes deficiências do laissez-faire por meio da administração econômica keynesiana, um tanto de tributação redistributiva e o “poder contrabalançante” dos sindicatos. […] a cobiça e inveja impõem contínuo e ilimitado c crescimento econômico material, sem a devida atenção para a conservação de recursos, e este tipo de crescimento não pode absolutamente ajustar-se a um meio-ambiente finito. Devemos, por isso, estudar a natureza essencial do sistema de iniciativa privada e as possibilidades de criar um sistema alternativo que possa ajustar-se à nov situação.

A essência da iniciativa privada é a propriedade privada dos meios de produção, distribuição e troca […] Olhemos, antes de mais nada, para o significado de “posse” ou “propriedade”. [SCHUMARCHER, 1973/1976:231]

Com esse recorte SCHUMACHER adentra no campo jurídico cultivado pelo Dr. Xavier. O ponto de partida da reflexão de Schumacher sobre a propriedade é a distinção entre duas visões da propriedade:

“[…] (a) propriedade que ajuda o trabalho criador e (b) propriedade que é uma alternativa para ele. Há algo de natural e salutar na primeira — a propriedade privada do proprietário trabalhador; e há algo antinatural e mórbido na segunda — a propriedade privada do dono passivo que vive parasitariamente do trabalho de outros.” [SCHUMARCHER, 1973/1976:231]

E é a partir da extração de virtualidades desta distinção que Schumacher lança um novo olhar sobre o regime de propriedade vigente e busca fundamentar uma visão alternativa de propriedade que julga adequada ao enfrentamento da crise fiscal do estado de bem estar social, ainda no seu nascedouro e, que desde então só tem se aprofundado.

O núcleo dos fundamentos da alternativa proposta por Schumacher no enfrentamento da referida crise envolve uma mudança no regime de propriedade privada:

“É extremamente ilógico e leva a infinitas complicações e mistificações que o pagamento por benefícios obtidos pela empresa privada da “infra-estrutura” não possa ser cobrados pelas autoridades públicas por uma PARTICIPAÇÃO DIRETA NOS LUCROS mas só após a apropriação privada dos lucros ter ocorrido. A empresa privada alega que seus lucros estão sendo conquistados com seus próprios esforços e que substancial parte deles é em seguida retirada pelas autoridades sob a forma de impostos. Esta não é a uma imagem verdadeira — falando de modo geral. A verdade é que grande parte dos custos da empresa privada foi suportada pelas autoridades públicas — porque estas pagam a infraestrutura — e os lucros da empresa privada por isso exageram grandemente sua realização.

Não há meio prático de refletir a situação verdadeira, salvo se a contribuição da despesa pública para os lucros da empresa privada for reconhecida na estrutura de posse dos meios de produção. “ [SCHUMARCHER, 1973/1976:240–241]

Por fim, a justificativa para a promoção de uma Cátedra Livre dedicada a Schumacher deve-se de um lado sua antecipação da atual problematização do regime de propriedade vigente e que tem como pano de fundo a crise fiscal do estado de bem estar social que se revela nas aporias do capitalismo materializada na desigualdade e da injustiça crescente; e, do outro lado, a criação das condições de inserção desse debate no âmbito da problemática ambiental contemporânea.

O que nos nos permite extrair duas possíveis trilhas a ser seguida, tendo como referência a repaginação desse debate tendo como referência a realidade do Piemonte da Borborema.

Uma trilha é marcada pelas propostas alternativas de enfrentamento da referida crise tem entre seus protagonistas a i) Mariana Mazzucato que atualiza o frame de E.H.Schumacher, pela ótica progressista, tendo como referência a política de desenvolvimento tecnológico norte-americana, mas sem reconhecer os reconhecer os devidos créditos, o que é lamentável, e ii ) Eric Posner e E. Glen Weyl que atualizam esse debate, ao abrir a caixa preta da propriedade, enquanto um feixe de direito, propondo mudanças “radicais” em um deles, o direito de não vender. Estas duas vertentes tem como telos o equacionamento da crise fiscal do Estado e a maior eficiência do sistema.

A outra trilha é a que se estabelece em torno dos commons, tendo como pano de fundo a problemática ambiental e a identidade comunitária, e na qual se sobressai, de um lado, a) Elinor Ostrom, Prêmio Nobel de Economia que adentra neste debate a partir da sua crítica a Tragédia dos Commons de Hardin, e das suas pesquisas a partir do que estabelece o onceito de recursos de propriedade comun; e, do outro lado, b) o Mestre italiano Stefano Rodotà (2013) e seu discípulo Ugo Mattei que comprometidos politicamente com os commons considera-o como um regime jurídico contrário ao regime de propriedade, mas essencial ao enfrentamento da crise social e ambiental contemporânea.

NOTAS

[1] “Os próprios economistas, como a maioria dos especialistas, normalmente sofrem de uma espédie de cegueira metafísica, supondo que a sua é a ciência de verdades absolutas e invariáveis, sem quaisquer premissas. Alguns vão ao ponto de alegar que as leis econômicas são tão isentas da “metafísica” ou “valores” quanto a lei da gravidade.” [SCHUMACHER, 1973/1976 pp.45–46]

REFERÊNCIAS

CAPRA, Fritjof & MATTEI, Ugo., A Revolução Ecojurídica: O direito sistêmico em sintonia com a natureza e a comunidade. São Paulo: Editora Cultrix.2015/2018

GORZ, André., “Crescimento destrutivo e decrescimento produtivo. IN Ecológica. São Paulo. São Paulo: Annabluame. 2008/2010

POSNER, Eric A. & WEYL, E. Glen., Mercados radicais : reinventando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa. 1a-ed. — São Paulo : Penguin Classics Companhia das Letras, 2019.

RODOTÀ, Stefano., 2013 Il terrible diritto:ógica. Studi sulla proprietà private e sui beni comuni [ “O terrível direito”: Estudo sobre a propriedade privada e os bens comuns]. Bolonha: Il Mulino.

STEFANINI, L. Lima., A Propriedade no Direito Agrário. são Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1978

STIGLITZ, Joseph.,

MAZZUCATO, Mariana.,

[SCHUMACHER, E. F., Economia Budista” IN O Negócio é Ser Pequeno. Rio: Zahar Editores. 1973/1976 pp. 45–53]

SCHUMACHER, E. F., “Propriedade” IN O Negócio é Ser Pequeno. Rio: Zahar Editores. 1973/1976 pp. 230–238

SCHUMACHER, E. F., “Novos Modelos de Propriedade” IN O Negócio é Ser Pequeno. Rio: Zahar Editores. 1973/1976 pp. 239–256

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Ihering Guedes Alcoforado
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Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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