CRACK: Cocaína, Corrupção e Conspiração — Ihering Guedes Alcoforado
O documentário Crack (2021) é dirigido por Stanley Nelson e alinha-se a um conjunto de filmes e séries, entre as quais se destaca o Negócio das Drogas (The Business of Drugs) de Amaryllis Fox, todos disponível no Netflix.
O filme Crack (2021) articula testemunhos pessoais de ex-traficantes e usuários com insights de historiadores, cientistas e outros especialistas para evidenciar um dos maiores fracassos de uma política pública norte-americana, cujos efeitos permanecem deletérios até hoje e manifesta-se de forma emblemática no alto percentual de encarceramento da populção negra.
O filme estrutura-se a partir de um recorte no qual se ressalta a problemática do crack nos anos 80s nos Estados Unidos em dois planos: o social e o político, tendo como pano de fundo a crise econômica do período, em especial o programa neliberal de Ronald Regan de enfrentamento, o que envolveu a desmontagem da rede de proteção social à comunidade afro-americano e latino-americana.
O ponto de partida da trama é a “janela de oportunidade” que se abre para os jovens “emprendedores capitalistas” no tráfego da cocaína popularizada graças a dois fatores: i) a redução do preço da cocaina via a sua versão crack e, ii) a convivência das autoridades tanto no plano local como nacional. As autoridades na esfera federal são mostradas como coniventes com o tráfego oriundo da Nicaragua: uma forma de apoio oficioso aos “Contras” pelos Estados Unidos no seu enfrentamento aos revolucionários sandinistas; enquanto a conivência das autoridades locais dá-se via a corrupção que assegura a proteção da atividade delituosa, tanto na esfera da distribuição como do consumo.
O giro da situação é apresentado como decorrente de alguns poucos acidentes envolvendo celebridades do mundo esportivo, os quais detonam uma quebra do “acordado”, o que funciona como o estopim de um processo de aumento da repressão interna e o aumento das penas, magnificando os efeitos racializados e espacializado do crack.
A conclusão que se pode tirar da experiência é que estamos diante de um problema “wicked”, configurando um ponto de partida para o enquadramento da atual problemática do crack no Brasil.