COVID-19: Uma Hipótese Provisória Sobre a Orientação Política da Cobertura Mediática no Brasil by Ihering Guedes Alcoforado
A cobertura mediática da crise do COVID-19 é uma boa oportunidade de observar suas condicionantes políticas, seja a cultura política, seja a orientação partidária, as quais podem ser consideradas como as variáveis independentes, sendo a escolha, em boa parte, determinada pela cultura e organização política de cada país, a qual por sua vez condiciona o tipo de análise.
Uma analise ilustrativa pode ser lê em CORNIA et al (2015), onde os autores apresentam o resultado da análise comparativa (Suécia, Itália e Reino Unido) tendo como referência a cobertura mediática da gripe aviária. O objetivo dos autores é tornar visível o invisível, ou seja, o papel da mídia no processo de revelação do risco [COTTLE, 1998]. Nesta direção, eles marcam a diferença nas culturas políticas das três unidades de analise: i) a Suécia (democratic-corporatist model), ii) Itália (polarised-pluralist model) e o Reino Unido (liberal model). [HALLIN & MANCINI, 2004]
O resultado da sua análise foi que a cobertura mediática é, em boa parte, informado pela cultura e organização política. Tanto na Itália com um viés partidarista, como no Reino Unido que ressalta as visões políticas conflitantes, a ênfase da cobertura mediática foi principalmente política, deixando em segundo plano os técnicos; enquanto que na Suécia a cobertura praticamente suprime os aspectos político e foca com ênfase os aspectos mais técnicos.[CORNIA, 2015]
Por fim, a nossa hipótese de investigação é que no Brasil a cobertura mediática da COVID-19 no Brasil assumiu uma conformação política, mas com pretensão técnica: política porque bifurca-se na defesa de determinadas ações ajustadas as narrativas e estratégias dos grupos políticos e, pseudo técnica porque até mesmo os testemunhos dos técnicos, mobilizados para fundamentar a narrartiva, expressam o reconhecimento da ausência de conhecimentos conclusivos suficientes para fundamentar um protocolo, diferente do recomendado secularmente no enfrentamento das epidemias: isolamento e distanciamento social. Neste sentido, um caso emblemático foi o posicionamento da OMS no debate sobre o uso das mascaras
Em função disso, nosso entendimento é que a cobertura jornalistica se restringiu ao debate político, sendo o pseudo técnico mobilizado como insumo da estrategia discursiva previamente definida, o que não se pode condenar em função da carência de conhecimento técnico, o que fica exemplificado na polarização entre os defensores de achatar a curva, tendo como referência a capacidade do sistema de saúde pública, e, os que advogam não achatar, tendo em conta, a redução do tempo decorrente da quarentena e dos seus impactos econômicos. A polarização mediática também é falsa, já que desconsidera que as duas posições são as duas faces de uma mesma moeda. Daí o aparente paradoxo da adoção de política de retorno a ‘normalidade” adotada pelos defensores do achatamento da curva, ainda durante o processo de processo ascendente da crise.
Enfim, como dizia o Maestro Antônio Carlos Jobim, o Brasil não é para amador, ao que agregaria,em tempos de COVID-19, nem para profissional.
BIBLIOGRAFIA
CORNIA,A., et al., The partisans, the technocrats and the watchdogs IN Journalism Studies, 2015, v. 17, n. 8, pp.1030–1050
COTTLE, Simon., 1998. “Ulrich Beck, ´Risk Society´ and the Media: A catastrophic View ? IN European Journal of Communication, 1998. v. 13. n. 1, pp. 5–32
HALLIN, Daniel H., & MANCINI, Paolo (2004) Comparing media systems: three models of media and politics. Cambridge: Cabridge University.
MASIP, Pere et al., Consumo informativo y cobertura mediática durante el confinamento por el Covid-19: Sobreinformación, sesgo ideológico y sensacionalismo IN El Professional de la Información, 2020, v. 29, n. 3