COVID-19: Uma Aproximação à Contribuição de Markus Gabriel by Ihering Guedes Alcoforado
Markus Gabriel alinha-se entre os que partem da problemática filosófica que veio à tona com o COVID-19, a partir da qual avança na direção da problemática “política” no sentido amplo, ou seja, a que considera suas dimensões associadas a politics, a policy e a polity. O resultado é programático, dado que mesmo focado em questões de natureza organizacional e institucional, o que pode ser o ponto de partida para uma analise institucional, a despeito de suas propostas são de natureza moral e não institucional.
Mesmo compartilhando com Bruno Latour um olhar de longo alcance temporal e considera a atual pandemia é apenas o anuncio de crises vindouras associadas a poluição e degradação ambiental que convergem na mudança climática, Markus Gabriel mergulha na dimensão estritamente filosófica da problemática associada ao COVID-19, enfatiza suas dimensões ontológicas e metafisicas, a partir das quais fundamenta um diagnóstico e suas propostas de mudanças que se ponto de partida no âmbito moral
A dimensão ontológica da problemática é ressaltada por Markus Gabriel a partir da evidenciação da vulnerabilidade humana compartilhada por todos nós; ou seja, a implicação ontológica decorre do fato que o vírus evidencia a centralidade da nossa função de hospedeiro, o que nos põe diante da nossa natureza animal, um ente de uma determinada espécie hospedeira do virus.
A dimensão metafisica é evidenciada a partir da consideração do vírus como portador de “um problema metafísico não resolvido”, o que justifica com o fato que a comunidade científica, em decorrência das múltiplas definições da vida, não tem um entendimento consensuado sobre sua natureza, não se sabe nem mesmo si são seres vivos, como não se tem certeza nem onde começa, nem onde termina..
Assentado nas problemáticas ontológicas e metafísicas sumariadas acima, ele fundamenta parcialmente sua posição “política” já que se restringe a esfera da polity e, mesmo assim com um víeis não institucional no sentido estrito, já que fortemente moral
No trato da polity, não só formula uma crítica ao protagonismo do Estado nacional no enfrentamento da crise, como considera que é “precisamente ai que reside o problema”, o qual se expressa em última instância como escalar: o problema é mundial, a solução é nacional.
A solução do desacoplamento é proposto por meio da subordinação do nacional, considerado como a esfera no qual se busca a progresso material, a escala mundial, âmbito no qual se dá o progresso moral. Para ele, “sem progresso moral não existe “verdadeiro progresso”, mas para tanto “necessitamos conceber uma ilustração global totalmente nova”, a qual nomeia de “coinmunismo”, uma expressão de Peter Sloterdijk. Nesta direção sugere como primeiro passo “vacinarmo-nos contra o veneno mental que nos divide em culturas nacionais, raças, grupos de idade e classe sociais. Isto por que, ainda segundo ele, uma vez superado o vírus, si seguimos atuando como antes, virão crises muito mais graves: vírus piores, cuja aparição não poderemos impedir.
Ou seja, para ele “a ordem mundial previa a pandemia não era normal, mas letal.” E para superá-la sugere dois passos no âmbito moral interdependentes: o primeiro é superar “[…] nossa superstição que os problemas contemporâneos podem ser resolvidos com a ciência e a tecnologia”; e o segundo é reconhecer a necessidade de “[…] uma nova Ilustração, todo mundo deve receber uma educação ética para que reconheçamos o enorme perigo que supõe seguir as cegas a ciência e a técnica.”
O passo subsequente explora as implicações do entendimento que o coronavirus põe de manifesto as debilidades sistêmicas da ideologia dominante do século XXI, a qual como vimos acima se expressa por meio de uma dissociação do progresso científico e tecnológico do progresso humano e moral, a partir do que problematiza a crença arraigada que os portadores do conhecimento técnico científico podem solucionar os problemas comuns, já que tais conhecimentos dependem do progresso humano e moral para que possam ser instrumentalizados na solução dos problemas. Ou seja, ele não adota uma crítica institucional, mas moral
Em função do exposto acima, a superação da problemática evidenciada pelo COVID-19, implica a superação do capitalismo, dado que para ele, o capitalismo global, é uma “cadeia infecciosa” que, obedecendo a uma lógica econômica estúpida, destrói nossa natureza e transformar os cidadãos dos Estados nacionais em consumidores de bens cuja produção causará mais mortes que todos os vírus juntos.
Enfim, como ressaltamos no paragrafo inicia, a despeito de um diagnóstico institucional, sua propostas contempla apenas um dos niveis institucionais ressaltados por O. Williamson (2000), o moral. O resultado, portanto, é programático, e, como tal, pode ser o ponto de partida para uma analise institucional que materialize a referida superação, a qual pode ser posicionada num outro registro (campo de sentido, para permanecermos no seu campo epistêmico) que o do capitalismo e do produtivismo, ou seja, aloja-se no âmbito ecológico, um outro campo de sentido.[1]
NOTAS
[1] Os campos de sentido podem ser ser dominios de objetos, mas también podem ser mais difusos que um conjunto de objetos discretos. Ou seja, os campos de sentido podem se referir a um mesmo objeto, mas aparecerem de maneira diferente em cada campo, a exemplo de um martelo que pode ser um uma ferramenta, um objeto de arte ou um conjunto de átomos, o que implica sua inserção em diferentes campos de sentido, mesmo que se esteja referindo em todos os casos ao mesmo objeto.[LUNA, 2016]
BIBLIOGRAFIA
GABRIEL, Marcus, El Orden Mundial Previo ao Virus Era Letas IN El País — Babelia. https://bit.ly/36GBqw3 Disponibilizado em 24 de março de 2020 e consultado em 27 de junho de 2020
LUNA, Eric., La ontologia sin mundo de Markus Gabriel. https://erichluna.wordpress.com/2016/01/31/la-ontologia-sin-mundo-de-markus-gabriel/
WILLIAMSON, O. (2000). The New Institutional Economics: Taking Stock, Looking Ahead. Journal of Economic Literature, 38(3), 595–613.