COVID-19, LIBERDADE & SEGURIDADE: Uma Aproximação à Contribuição “Virtual” de Isaiah Berlin by Ihering Guedes Alcoforado

Ihering Guedes Alcoforado
5 min readJun 2, 2020

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Isaiah Berlin dedicou-se com êxito ao estudo da liberdade e outros valores do mesmo quilate, a exemplo da igualdade, de forma analiticamente sofisticada, mas empiricamente ancorada no cotidiano ocidental. No caso da liberdade, um achado para os policymakers, dado suas múltiplas possibilidades de aplicação a situações concretas, a exemplo da crise do COVID-19.

Uma das marcas da reflexão de Isaiah Berlin é como lidar com o conflito de valores, por exemplo entre a liberdade e igualdade, o qual pode ser reposto em outros formatos, a exemplo do estabelecido em toda sua inteireza, com a crise do COVID-19 entre a liberdade e a seguridade.

O legado de Isaiah Berlin nos aponta o caminho para avançar e equacionar o trade off entre liberdade e seguridade sanitária (o mesmo aplicando-se a segurança pública) a partir de uma escansão do conceito de liberdade em dois registros distintos: a liberdade negativa e a liberdade positiva.

A “liberdade negativa” viceja numa tradição liberal que emerge em oposição a opressão e a intervenção externa, tanto no âmbito do “sistema” como do “mundo da vida”. A resistência que caracteriza este liberalismo num primeiro momento, deu-se em oposição ao poder soberano monárquico, evoluindo em seguida para uma resistência ao poder discricionário de polícia e da polícia do poder estatal burguês e, mais recentemente, em meados do século XX foi exercida em oposição aos regimes totalitários europeus, entre outros por Isaiah Berlin e Frederick von Hayek . Tal liberdade enquanto objeto de pratica política e de reflexão filosófica emerge com o liberalismo clássico em apoio a economia clássica, em especial a smithiana. Ela tornou-se uma referência perene nos ciclos liberais , em especial os libertarianos americanos, mas que só recentemente passou a ter alguma expressão política no Brasil com o governo Bolsonaro.

Para os defensores da “liberdade negativa” a preocupação central é com o que Isaiah Berlin chamou de “espaço de não intervenção”, uma esfera privada na qual o individuo é soberano, daí entendem que esta esfera tem uma correlação direta com a liberdade. , Este entendimento justifica que Milton Friedman, por exemplo defenda a liberação de todo tipo de drogas nos Estados Unidos, o que nada mais é que uma defesa pontual da “liberdade negativa”. Uma atitude que envolve implicitamente a defesa da ampliação do “espaço de não intervenção” e, consequentemente da liberdade negativa; mas que por sua vez é um opositor liberdade positiva e a ampliação do “espaço de realização dos indivíduos”, desde que ela tenha como premissa a intervenção do estado baseado na “liberdade positiva”. Neste contexto, pode-se entender sua defesa do “voucher” no financiamento da educação básica nos EUA como uma forma de reduzir a influência do estado na formação das crianças.

Enquanto que o conceito de “liberdade positiva”, ainda segundo Isaiah Berlin, muda radicalmente o foco e o plano no qual se trata a liberdade. A “liberdade positiva”, em vez de ocupar-se com o ampliação do “espaço de não intervenção” dos agentes estatais, ocupa-se com a ampliação do “espaço de realização” dos indivíduos, o que comumente demanda o aumento da intervenção do Estado.[1]

Deslocando este frame para um cenário dominado pela crise da COVID-19, chamo atenção que a liberdade negativa que desde sempre mobiliza coração e mente dos anglo-saxônicos (uma expressão radical são os libertarianos norte-americanos)se encontra nos fundamentos profundos das atitudes políticas de Boris Jonhson na Inglaterra (aqui mediado pela economia comportamental), Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil, mas que se revelou contraproducente na Inglaterra e nos EUA e alimenta no Brasil um debate e conjunto de conflitos institucionais , ainda em curso, o que merece uma nota exclusiva.

No caso do Brasil, o exercício da “liberdade negativa” nas performance do Presidente Bolsonaro provoca um estranhamento que se deve, no nosso entendimento, ao fato que a pratica política ancorada em tal tipo de liberdade muito cara aos conservadores, tanto nos EUA como no Brasil, só começa a ser assumida na sua dimensão doutrinária e exercida na esfera política Brasil a partir do Governo Bolsonaro. Neste sentido, chamo atenção que no plano da policymaking a liberdade negativa subjaz a orientação do Ministério da Fazenda de Paulo Guedes, e, no plano doutrinários, mas sem uma competência e um exercício efetivo de policymaking nos espaços ocupado pelos ditos “olavistas”. O coroamento da difusão e da influência da liberdade negativa e dos libertarianos no Brasil pode ser considerado a atuação performática do Presidente Bolsonaro, cujo exemplo paradigmático é o não uso das mascara em manifestações pública em plena pandemia do COVID-19, no plano individual e, a sua oposição as medidas preventiva dos governadores e prefeitos que envolvem a ampliação do espaço de intervenção dos agentes estatais, no plano políticos. As duas atitudes são coerentes com um individuo que age tendo como premissa a necessária defesa e exercício da liberdade negativa.

Por fim, como complemento das considerações acima, faz-se necessário uma avaliação das limitações e possibilidades do recurso as liberdades negativa e positiva no enfrentamento da crise do COVID-19, o que será objeto de uma nota futura.

NOTA

[1] Esta compreensão da liberdade é alinhada com a tradição republicana [PETTIT, 1999 ]e associada a disponibilidade das condições materiais para seu exercicio[RAVENTÓS, 2014], alem de ser considerada uma uma condição determinante para o desenvolvimento.[SEN,2000]

BIBLIOGRAFIA

BLANCO, J.P., (2018) Isaiah Berlin, F von Hayek y Milton Friedman…. Los limtes de lo concepto liberl de la libertad IN Tabula Rasa, 2018, v. 29

PETTIT, P., (1999) Republicanismo. Una teoría sobre la libertad y el gobierno. Barcelona: Paidós.

PITSOULIS, Athanassios & GROB, STEFFEN, W. “ ´The other side of the argument´: Isiah berlin versus F. A. von Hayek on liberty, public policies, and the market IN constitutional Polity Economics, 2015, v. 26, pp. 475–494

POLANYI, K., (2014) La historia económica y el problema de la libertad. en Los Limites del mercado. reflexiones sobre economía, antropologia y democracia. Madrid: Capitán Swing. pp. 343–349

RAVENTÓS, D.,(2007) Las condiciones materiales de la libertad. Barcelon: El Viejo Topo.

SEN, A (2010) Desenvolvimento Como Liberdade. São Paulo: Cia. das Letras

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Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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