COLCHA DE RETALHO (How to Make an American Quilt ): Uma Chave de Leitura — Ihering Guedes Alcoforado
Colcha de Retalho (How to Make an American Quilt ) é um filme baseado no romance de Whitney Otto, com roteiro de Jane Andersen e dirigido por Jocelyn Moorhouse. Como o título original sinaliza o filme instrumentaliza o quilt (colcha de retalho), [1] como arquivo e como mediação, a partir de um cenário californiano marcado pelas sequelas do movimento hippie para construir a narrativa e a personagem principal..
O diretor extrai do legado do “quilt afroamericano” [2] virtualidades para articular uma trama em torno de Finn Dodd, uma estudante de pós-graduação femista que sem uma referência simbólica bem estabelecida, decide passar uma temporada com sua sua avó, Hy, e sua tia-avó, Glady Joe Cleary, em Grasse, Califórnia.
O deslocamento de Finn Dodd de Berkely para Grasse propicia o cenário ideal para sua inserção no universo do quilt afro-americano, o qual é cultivado pelo grupo que lhe acolhe e que é composto pela avó, a tia-avó e suas amigas artesãs, remanescentes dos loucos anos sessenta e do movimento hippie e, que atualmente formam um grupo de costura que confeciona colchas de retalho sob a liderança de uma personagem afro-americana, a guardiã da memória da artesania.
A CHAVE DE LEITURA DO FILME
Nesta nota proponho a memória afro-americana materializada no quilt como a chave de leitura do filme. O quilt é considerado, tanto por seu produto simbólico, a colcha de retalho, como pela lógica do seu processo, um mix de padrões e principios manifesto na referida artesania, que envolve a concertação não só trabalho coletivo, mas das multiplas sensibilidades na produção das colchas de retalho. Ou seja, propomos que a lógica desse processo e de seu produto metaforiza o mecanismo de construção da narrativa e do personagem principal
ACERCA DOS QUILTS
O quilts, a arte das colchas de retalho, tem sido submetida a diferentes apropriações. De um lado, ela já foi considerada a grande arte americana. Do outro, como um frame necessário para que se possa acessar processo cognitivos não lineares complexo e estabelecer verdades parcias.
A primeira apropriação surgiu no final do século XX por meio de uma corrente de pensamento que a vincula as raízes da produção textil herdada da Africa, o que a marca com o “ferro” africano e o reconhecimento de estilo das referidas prototípicamente afroamericano, o qual é caracterizado por uma tendência a assimetria e ao contraste explícito de cores chamativas, dispostas em franjas finas verticais, além de pontadas amplas e, também, por uma recorrente preferência pela improvisação, mas sempre com um propósito de avivar a memória do legado traumático afro-americano.
Uma segunda posição rejeita a existência de um tipo específico de colchas afroamericanas, considerando-a uma visão reducionista e limitadora da sua imensa variedade e riqueza.
Por fim, temos uma terceria posição, segundo a qual a defesa da primeira tese não entra em contradição direta com a segunda e , viceversa, já que é possível argumentar a existência das ditas caracteristicas como parte, e não com representatividade absoluta, dentro da trajetória ancestral destas colchas. Dito com outras palavras, esssa posição considera que se pode identificar uma corrente específica de obras com claro vestígio da herança africana que convive com um estilo mais associado a heterogeneidade que conforma esta tradição na atualidade.
Por fim, chamo atenção para o desdobramento do frame que metaforiza o quilt na evidenciação uma parte importante do legado cultural afroamericano, con implicações no campo literário, musical e cinematográfico. No âmbito literário já foi destacado a novela Stigmata (1999), de Phyllis Alessia Perry; odois contos infantis a) Aunt Harries Underground Railroad in the Sky (1992) e Show Way (2005), de Faith Ringgold e Jacqueline Woodson respectivamente; a autobiografía Quilt of Souls (2015), de Phyllis Lawson; o relato de testemunhos recolhidos s por William Arnett e Paul Arnett baixo o título The Quilts of Gee‟s Bend (2002); a novela The Color Purple (1983) e o relato curto ―Everyday Use‖ (1973), ambas de Alice Walker e, por último, o diario My Quilts and Me (1999), da artista téxtil Nora Ezell. Enquanto que no campo cinematográfico também já foi assinaldo a produção vários filmes e documentários cujas narrativas são articuladas a partir da lógica das colchas, a exemplo de How to Make on American Quilt (1995), Tar Beach (2010) ou The Quilt Project: Celebration of the African American Experience (2017).[TORRADO, 2020: 12–13]
Enfim, o que vale destacar é que a logica de construção e configuração de tais objetos textis é um terreno fertil de interpretação no universo da crítica literária e, também da critica cinematográfica, ao metaforizar tanto a obra literária como a obra cinematográfica, em especial a construção dos personagem como um processo de construção e como um produto singular da artesania quilt. Isto porque, tanto a criação literária, a musical (o jazz) e a cinematográfica podem ser metaforizadas como a confecção das referidas colchas, em especial aquelas que unem muitos fragmentos isolados identificadas como patchwork, explorando as descontinuidade fisica e simbólica dos planos, mas articuladas como uma narrativa visual articulada por meio da lógica dos quilts.
Enfim, Colcha de Retalho (How to Make an American Quilt ) nos oferece um exemplo emblemático da instrumentalização dos lógicas dos quilts no cinema, tanto na articulação da narrativa fundada no avivamento e articulação da memórias dos personagens e, na própria construção da personagem principal. Resumindo pode ser considerado como o esboço de um manifesto do patchwork ou quilt.
NOTAS
[1]Um quilt (colcha) é um tecido de várias camadas, tradicionalmente composto por duas ou mais camadas de tecido ou fibra . Comumente, três camadas são usadas com um material de enchimento. Essas camadas tradicionalmente incluem um top de pano tecido, uma camada de rebatidas ou enchimento e uma parte de trás de tecido combinada usando as técnicas de quilting. […]As colchas podem conter informações históricas valiosas sobre seus criadores, “visualizando segmentos específicos da história de maneiras tangíveis e texturizadas”[WIKIPÉDIA]
[2]quilt afro-americano é caracterizado por uma tendência a assimetria e ao contraste explícito de cores chamativas, dispostas em franjas finas verticais, além de pontadas amplas e, também, por uma recorrente preferência pela improvisação, mas sempre com um propósito de avivar a memória do legado traumático afro-americano.