CINEMATÓGRAFO: Uma Nota Sobre o Cinema Pragmático de Roberto Bresson (Ihering Guedes Alcoforado)
“Robert Bresson attained his power through his method, which is less a thing
literally to be described or expressed than an inner orientation enabling an outward quest. That quest, in Bresson’s case, was to honor God’s universe by using film to render the reality of that universe, and, through its reality, both the miracle of its creation and the mystery of its being.” [CARDULLO, 2012:79]
Nesta nota tento evidenciar que o método de Robert Bresson é inspirado na pragmática, a qual é para os não iniciados na linguística, a mais obscura das áreas da linguagem e das suas possibilidades em latência. A pragmática não tem objeto no sentido estrito, já que se debruça sobre o contexto no qual se estabelece as relações entre os objetos.
Em se tratando de apreender o cinematografo, uma abordagem pragmática, deverá privilegiar o contexto no qual a relação entre as imagens são estabelecidas, ou seja, o “contexto narrativo”, tomando como dado o processo especifico de semantização das imagens que a tornam (ir)relevante. Tais imagens podem ser trabalhadas no cinema, no sentido de Robert Bresson, a partir de duas perspectivas. Na dominante, o cinema que privilegia as imagens relevantes e, é associada a sua articulação “lógica”, a exemplo do manifesto tanto no cinema narrativo clássico que aposta na articulação das imagens em movimento ao longo do tempo cinematográfico, como no que aposta na (des)articulação deixando as lacunas narrativas temporais e espaciais, por meio do que busca mobilizar os teles espectadores ativos e reflexivos, enfim criativos. Em ambos os casos opera-se, preferencialmente, com imagens significantes.
O cinematografo, o cinema na visão de Robert Bresson, volta a reflexividade e criatividade para o processo de manufatura do proprio cinematógrafo, e, para tanto, privilegia as imagens insignificantes, as quais serão insumos para a criação cinematográfica. Pois para Bresson o que importa é que “uma imagem se transforme no contato com outras imagens, como uma cor no contato com outras cores.” Ou seja, no cinematografo “as imagens como as palavras do dicionário, somente têm força e valor pela sua posição e relação”. Mas, o que importa nessa relação não é apenas sua estrutura lógica, mas principalmente o significado, a representação que emerge dessa interação no contexto narrativo criado por Bresson, daí a originalidade do cinematógrafo.
As imagens dadas e postas são apropriadas e inseridas em um novo contexto narrativo construído por Bresson, a exemplo da projeção das imagens irrelevantes do ponto de vista da criação artística dentro do filme em “O Diabo Provavelmente” (1977). Mas, tais imagens que no contexto original ameaça a sobrevivência do planeta, no contexto narrativo criado criado por Bresson esmaga e leva o personagem central ao suicídio. Ou seja, no registro analítico do cinematógrafo as imagens referidas acima e projetadas dentro do filme, inclusive com imagens do projetor fazendo a projeção, se transformará em contato com outras imagens e, é por isso que foi possível ser utilizada no filme por Bresson, nessa manifestação do cinematógrafo.
Enfim, Bresson diz se dedicar “a imagens insignificantes (não significantes)” e a explorar as relação entre elas, a partir do que cria seu cinema, o cinematografo que, nas suas palavras, faz uso e se serve da câmara com o intuito de criar a partir da relação entre imagens insignificantes, ao qual acrescentaria, num contexto narrativo estabelecido pelo diretor, por meio do que configura o cinematógrafo, como um cinema pragmático, do qual podemos dizer ser o cinema dos cineastas.
REFERÊNCIA
CARDULLO, Bert., Fiction into Film: Bresson´s Une Femme Douce and its russian source. IN Contemporary French and Francophone Studies
Vol. 16, №1, January 2012, 79–86
BRESSON, Roberto, Notas Sobre o Cinematografo.São Paulo: Iluminuras, 2005 pp. 21/23