BLONDE (2022): O Mito Marilyn Monroe Como “Objeto Causa de Desejo”

Ihering Guedes Alcoforado
3 min readOct 3, 2022

IHERING GUEDES ALCOFORADO

Blonde (2022) é uma uma cine biografia ficcional de Marilyn Monroe, dirigida por Andrew Dominik e que oferece uma releitura da psicologia e uma nova visão dos diversos acontecimentos que marcaram a vida de Norma Jean, desde a infância até sua trágica morte.

Dada a riqueza de núcleos dramatúrgicos o filme pode ser apreciado a partir de distintos recortes, os quais podem ser avaliados de forma isolada, a exemplo da trajetória profissional de Norma Jean que leva a requalificação do corpo da jovem Norma Jean desamparada emocionalmente e materialmente de um simples “objeto do desejo’ masculino, na personagem Marilyn Monroe, femme fatale, uma expressão emblemática do “objeto causa de desejo” masculino, onde o determinante não é mais o corpo, mas o que ele expressa no imaginário masculino, a exemplo da fragilidade e gentileza que funcionam com uma janela para as fantasias masculinas.

Essa transição é apresentada por Andrew Dominik de uma forma cruenta, mas realista, tendo em conta o que se torno conhecido a partir do affair Harvey Weinstein, o produtor predador sexual emblemático, premiado com vários Óscars.

O mundo cão de Hollywood no qual se insere a jovem Norman Jean que é revelado Dominik em vários momentos e formas, as quais se diferenciam conforme a hierarquia ocupada no sistema: quanto mais elevado maiores as exigências e crueldades, não se difere do que vai à tona com as estipolias de Harvey Weinstein e que deu impulso ao Me Too, a reação feminista aos assédios sexuais no trabalho e que se difundiu por todo o mundo.

O primeiro assédio a que foi submetido a jovem desamparada Norman Jean dá-se numa entrevista com o chefe da Fox, Darryl Zanuck, que tem seu coroamento num estupro. O segundo é nos desdobramentos de um teste de câmara para um papel no filme Trouble Me Tonight (1952) dirigido por Roy Ward Baker (1952). De um lado, o produtor que se comporta como um “pai”, o que era fundamental no sistema contratual restritivo dos estúdios de Hollywood da época, mas que não via nela nada além de carne para ser consumida, e por outro lado, a própria a equipe de filmagem que não a percebeu pela performance marcante no teste, mas que dado a hierarquia se contentam em admirar sua bela “bunda”.

O fato, no entanto é que, já nesta estréia estão presentes os elementos que irão construir o mito Marilyn Monroe, o qual será moldado a partir deste primeiro grande papel significativo de Norma Jean como Nell, a heroína esquizofrênica e assassina do filme, o ponto de partida para a consolidação do mito Marilyn Monroe.

O filme seguinte é um marco na construção do mito como uma expressão emblemática da ideologia da submissão patriarcal. Na encenação de Norma Jean como simples objeto do desejo sexual em Niagara (1953), de Henry Hathaway, emerge uma femme fatale que vai além de um “objeto de desejo”, e, se impõe como uma expressão do “objeto causa de desejo”, onde se ancora o mito Marilyn Monroe.

Vale ressaltar que no filme essa transição é feita a partir de um recurso estritamente ficcional, o que permite ao diretor tratar tanto a ausência como a onipresença do pai como causa de em um “vazio” afogado em tórrida orgia sexual, cujas imagens marca simbolicamente a transição de Norma Jean para Marilyn Monroe, o que é feito por meio das imagens de uma transa diluídas numa imagem das Cataratas do Niágara: a imagem que ilustra esta nota.

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Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.