BLONDE (2022): A Desconstrução do Mito Marilyn Monroe

Ihering Guedes Alcoforado
3 min readOct 3, 2022

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IHERING GUEDES ALCOFORADO

O filme Blonde é uma versão cinematográfica do romance homônimo de Joyce Carol Oates (2000) feita pelo diretor Andrew Dominik, cuja filmografia é marcada por giros em mitos e arquétipos [1], o que reverbera em BLONDE: uma cinebiografia fictícia que desconstrói o mito de Marilyn Monroe (Ana de Armas), evidenciando a instrumentalização dos traumas psíquicas de Norma Jean na construção da personagem imaginária Marylin Monroe e, em decorrência sua lógica de “atuação”.

Andrew Dominik estabelece um duto emocional entre as mazelas de Norma Jean e a projeção glamorosa de Marilyn Monroe, o que é potencializado por meio de imersão total nos aspectos mais doloroso da psique de Marilyn.

A partir da cena de abertura, onde a pequena Norma Jean,sofre o abuso de uma mãe mentalmente instável (Julianne Nicholson), os traumas e as sequelas se sucedem. A pequena Norma Jean é a memória e símbolo do amante que abandonou sua mãe e com quem ela manterá por meio da filha uma relação (doentia) com esse pai ausente que não só interditará os possíveis novos relacionamento, como levará ao estabelecimento de uma relação problemática com a filha.

Esse pai com quem a mãe sentia-se casada no simbólico, e cuja única presença era a foto de quando o conheceu no período em que trabalhava nos ateliês de Hollywood. Até esse pai cuja existência para a pequena Norma Jean se resumia a uma foto, ela teve seu acesso interditado pela mãe, tanto fisicamente, que não a deixa tocar na foto, quanto simbolicamente, quando a mãe a proíbe de falar da foto.

Interdição ao pai que se manifesta também para a mãe em outro plano, pois quando sai na busca do amante/pai, com o outdoor e as colinas de Hollywood em perspectiva, no meio de um incêndio, é interditada pela polícia que a impede de prosseguir viagem por motivos de segurança.

Essa dupla interdição tem desdobramentos distintos na trajetória de vida de ambas. A mãe ao voltar para casa, entra numa crise e é obrigada a ser internada numa clínica psiquiatra, enquanto Norma Jean é levada para um orfanato a partir de onde ela inicia a busca da superação desses traumas e o preenchimento dessas lacunas o que é feito no registro do “imaginário” e, não do “simbólico”.

A forma imaginária de superação dos traumas de Norma Jean foi a criação da personagem imaginária Marilyn Monroe esculpida para satisfazer as fantasias dos outros: os papai, os quais em função da carência paterna de Norma Jean, Marilyn Monroe atendia plenamente, inclusive tratando-os como “papai”.

De forma que se pode considerar que foi a disposição autêntica de Norma Jean projetar suas carências mais íntimas na personagem Marilyn Monroe que permitiu a construção e o sucesso do mito; ou seja, a construção do mito Marilyn Monroe só foi possível graças a busca de Norma Jean em preencher seu vazio e carência original, onde se encontra os fundamentos da profunda fragilidade e gentileza que Marilyn Monroe exala em suas melhores performances: o passado doloroso da desamparada Norma Jean.

NOTA

[1] Em Chopper (2000) o diretor desviou o filme biográfico de um criminoso de mídia australiano para outra coisa, em L’Assassinat de Jesse James par le lâche Robert Ford (2007) transformou um evento mitológico ocidental em uma oração fúnebre, e, por fim em Cogan: Killing Them Softly (2012) ele estabelece uma reviravolta total nos arquétipos do crime e da máfia à luz do cinismo moderno.

[2] A foto do pai de Norma Jean lembra a Clark Gable com quem Marilyn vai contracenar em Les Désaxés (1960))

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Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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