BIG DATA & PRIVACIDADE: As Modulações de uma Agenda Política (Ihering Guedes Alcoforado)

Ihering Guedes Alcoforado
4 min readApr 2, 2018

--

A agenda “sombra” focada na relação da manipulação e análise dos Big data é fundada na problemática (in)compatibilidade com a privacidade e, emergiu com todo seu esplendor na ribalta política, a partir do uso dos dados do Facebook (poderia ser por outra plataforma qualquer) pela Cambridge Analytica, dado que o fato é apenas um ponta de um iceberg.[SERLS, 2018; TUFECKI, 2018

Mas, dado a falta de novidade no ocorrido já que envolve uma prática que, do ponto de vista técnico e do modelo de negócio, expressa o modus operandi desse universo indago: Porque tanto celeuma ?

Isto porque a dita agenda “sombra” não só sempre esteve posta, como era dominada politicamente pelos valores dos que operam no mundo já digitalizado, ou em processo acelerado de digitalização. Todas as evidências revelam que os ícones da sociedade digital convergem na direção de um consenso segundo o qual não existe futuro para a privacidade. As evidências de tal consenso são amplamente documentados na literatura. No inicio da década a imprensa registrou declarações de alguns desses ícones que corrobora a tese da convergência anunciada acima.

Mark Zuckerberg do Facebook declarou que privacidade não é uma “norma social” [ BARNETT, 2010; JOHNSON 2009], enquanto o CERF do Google foi além ao expressar que a privacidade tornou-se para o mundo digitalizado uma anomalia. [FERENSTEIN, 2013]. Tais declarações, pelo que me consta, não geraram qualquer celeumas fora do gueto acadêmico e de alguns poucos guetos articulados no âmbito da sociedade civil focado no controle do poder de monopólio das plataformas.

Donde reforço minha indagação: Porque tanta celeuma pública com o uso das informações do Facebook pela Cambridge Analytica ? Uma hipótese, que ponho em debate, é que até então a desconsideração da privacidade, pelo mundo político identificado com a globalização, criava as condições de possibilidade do controle da riqueza pelos de sempre numa escala planetária, o que tinha como “custo”, compartilhar desse controle com os novos ícones do mundo digital; ou seja a desconsideração da privacidade não constituía uma ameaça as estruturas de poder e ao processo de acumulação e reprodução do capitalismo.

Diante do cenário descrito acima, as resistências a liberalização na manipulação e análise dos Big Data, pratica utilizada amplamente pelas novas empresas ícone da economia digital, e, que tem na Amazon uma expressão emblemática, era debitada a alguns guetos, cujo entendimento da problemática era condicionado por frames obsoletos, que expressam a realidade de uma sociedade industrial e não de uma sociedade em processo avançado de digitalização.

Mas, quando a parceria Facebook pela Cambridge Analytica expresso resultou na eleição de um candidato outside para a presidência dos Estados Unidos, e, na inesperada saída da Inglaterra da União Européia, o mundo político que aposta na globalização dos processos de produção e, em boa parte responsável pelo processamento das demandas sociais e pela construção da agenda nas sociedades avançadas nos processos de digitalização, sentiu-se ameaçado na imposição da sua “narrativa”.

A sensação de ameaça foi gerada pela tomada de consciência da obsolescência dos seus procedimentos na imposição da sua “narrativa” que, como destaquei acima, resultou num outside a Presidência dos Estados Unidos e, de uma impertinente saída da Inglaterra da União Européia: dois desastres eleitorais. Ambos “acontecimentos” geram entre suas consequências uma indesejável onda nacionalista que vai de encontro a agenda econômica da globalização dos processos de produção.

Resta saber até que ponto o interesse do debate em curso estar em torno da proteção ou não da privacidade, ou si na verdade, o que estar em jogo é quem deve tirar mais beneficio da desconsideração da privacidade. Ou seja, a privacidade estar morta, resta saber quem serão os beneficiários tanto no universo político como no universo do mundo pós-privacidade. No atual horizonte, que poderá ser alterado politicamente já que não estamos diante de um determinismo tecnológico, a tendência é que entre os principais não estarão os trabalhadores, muito pelos contrários.

Enfim, a política (politics) exercida com os novos recursos é que, em última instância, decidirá as balizas do futuro, o que nos resta, portanto, é nos capacitarmos para o exercício da política (policy) numa sociedade digitalizada, sem perder de vista a necessidade de politização da construção das pré-condição para seu exercício (polity).

Resumindo temos diante de nós brasileiros, um processo de digitalização da sociedade e da economia que, nos coloca um novo conjunto de desafios políticos que determinara a configuração da nossa economia e sociedade vindoura. A construção das balizas institucionais dessa sociedade vindoura passa pelo agasalhamento institucional da manipulação e análise de dados, o que envolve um posicionamento acerca da privacidade, isto porque a trajetória de evolução das condições de possibilidades da economia digital deverá tem entre suas premissa, o respeito ou não a privacidade.

Como sugestão para uma agenda, chamo atenção para a necessidade de monitoramento das experiências em curso. De um lado Xiu &Xiao (2018) ao sinalizar que a China adota uma trajetória fundada na desconsideração da privacidade, nod põr diante de uma experiência que merece ser monitorada, resta identificar a experiência que se posicione no outro extremo, de forma a termos duas referências empíricas canônicas para nossas observações futuras.

BIBLIOGRAFIA

BARNETT, E. (2010). Facebook’s Mark Zuckerberg says privacy is no longer a ‘social norm’. The Telegraph. Retrieved from http://www.telegraph.co.uk/technology/facebook/6966628/
Facebooks-Mark-Zuckerberg-says-privacy-is-no-longer-a-social-norm.html

FERENSTEIN, G. (2013). Google’s Cerf says ‘privacy may be an anomaly’. Historically, he’s right. Tech Crunch, 20 November. Accessed at http://techcrunch.com/2013/11/20/
googles-cerf-says-privacy-may-be-an-anomaly-historically-hes-right/

JOHNSON, B. (2009) The Facebook privacy change angers campaigners.https://www.theguardian.com/technology/2009/dec/10/facebook-privacy Disponibilizado em dez 2009 e consultado em 02 de abril de 2018

SEARLS, Doc., (2018Facebook’s Cambridge Analytica problems are nothing compared to what’s coming for all of online publishing. Doc Searls Weblog goo.gl/ZVkXkA

TUFECKCI, Zeynep., Facebook’s Surveillance Machine goo.gl/rPogbV. 19 março de 2018

XU, V X & XIAO,B. (2018) China’s Social Credit System seeks to assign citizens scores, engineer social behaviour. http://www.abc.net.au/news/2018-03-31/chinas-social-credit-system-punishes-untrustworthy-citizens/9596204?pfmredir=sm

--

--

Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

No responses yet