AFTERIMAGEM: Uma Relação Contingente Entre Arte e Política em A. Wajda (Ihering Guedes Alcoforado)
3 min readDec 3, 2019
“É essencial manter sempre presente no espírito que há duas maneiras de ver um filme: uma recepção passiva, que sofre a mensagem; e uma recepção ativa, que procura no filme um convite à reflexão, um problema que é preciso analisar, a voz de privilegiada importância numa discussão sobre os grandes problemas da vida, que integra as informações numa visão global, aperfeiçoando-a ou modificando-a.”[Lucien Goldmann]
AfterImagem de A. Wadja traz no seu título a chave e objeto do filme. AfterImagem é a chave porque sinaliza que estamos diante de um registro do que restou do visto, do vivido pela Polônia e, é objeto porque reconstitui na tela uma relação contingente da arte com a política.
Ambiguidade relação da arte com a política é posta pelo diretor e imposta pelo regime político, ora como convergência, ora como uma divergência, o que se pode evidenciar a partir da escansão do conceito de arte e de política.
Nesta nota me restringo a extrair algumas implicações da escansão do conceito de arte e para tanto a considero em dois sentidos: um como “ativismo artístico” quando a motivação é endógena ao processo de criação e, o outro como “arte ativista” o que implica que a motivação do artista é exógena ao processo de criação da obra de arte, originando-se de uma necessidade do regime.
No filme, o momento do “ativismo artístico” é implícito, pois se localiza no “extra campo diacrônico”, ou seja, no passado, num momento de convergência do movimento artístico de vanguarda e do processo político, o que em princípio só se manifesta nos acontecimentos revolucionários quando existe uma sincronia entre a arte e a política, a exemplo do que aconteceu na Rússia com as vanguardas e na Itália com o futurismo de Marinetti, por ocasião dos acontecimentos que resultaram na institucionalização do comunismo e do fascismo. Já o momento da “arte ativista” é posta no “campo” por meio dos quais Wajda tece sua narrativa, e cuja expressão emblemática encontra-se no realismo socialista.
A tensão dramatúrgica do filme emana do conflito das duas orientações: de um lado, o “ativismo artístico” de um teórico e artista de vanguarda motivado exclusivamente pelos problemas analíticos e estéticos postos pela sua arte, e do outro, a arte ativista demandada pela burocracia do partido comunista e cuja motivação decorre de motivações estritamente políticas.
A divergência de orientação evidenciada no “campo” da arte e ao longo da narrativa e é magnificada pela política, no caso em decorrência do contexto político totalitário que estabelece a exclusividade da “arte ativista” e a consequente supressão do “ativismo artístico.
Enfim, é necessário não perder de vista que a relação da arte com a política é contingencial e ambígua, dado que pode tanto se manifestar como uma convergência dos seus programas nos momentos revolucionário, quando a política assume a lógica da criação artística e tem a necessidade imperativa de uma nova “patilha do sensível”; como também pode se manifestar como uma divergência excludente, o que acontece ao longo do processo de institucionalização da revolução, quando já não mais se problematiza a “partilha do sensível” e apenas se opera no bojo da nova ortodoxia que se expressa como uma “arte ativista” que não pode conviver com os questionamentos do “ativismo artístico”.
NOTA
Na próxima critica AFTERIMAGEM: As Múltiplas Relações da Arte com a Política em Wajda, aprofundo a relação contingente e ambígua da arte com a politica a partir da escansão da “politica” nos seus diversos momentos como i) political, ii) politics, em iii) polity, e iv) policy
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