ADAM SMITH: Novas Apropriações do seu Legado — Ihering Guedes Alcoforado

Ihering Guedes Alcoforado
8 min readMar 14, 2022

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Nesta nota chamo atenção para a velha e as novas apropriações do legado de Adam Smith. O ponto de partida passa pela evidenciação das suas fontes de inspiração e das suas influência (inspiração e causação).

Aqui, me restringo, ao âmbito da inspiração smithiana, no qual destaco uma ênfase desmesurada da influência de Newton sobre Adam Smith, a qual pavimenta as estratégias de apropriações cientificistas que domina no campo econômico, em especial o neoclássico.

Um exemplo emblemátio dessa hipertrofia newtoniana é o que ressalta que

There is a Newtonian cast to Adam Smith’s invisible-hand portrait of the economy, a balance that resembles the balance among all those heavenly bodies which somehow are kept the right distance from each other by the equilibrium of opposing centripetal and centrifugal forces. Adam Smith, like most other eighteenth century intellectuals, was suffused with the type of thinking that had been responsible for Newtonian physics. [POSNER,1990: 164]

Essa influência newtoniana em Adam Smith é evidenciada por meio de uma analogia das suas forma de compor a diversidade dos seus interesses, pondo em campo distinto sua reflexão moral e sua analise econômica:

In the diversity of his interests, as well as in the specific form of his economic thought, he again resembles Newton, who as many of you know had a profound interest in theology and also in astrology. We do not think that the meaning of Newtonian physics is inextricably entwined with Newton’s theological and astrological views. We can similarly distinguish Adam Smith’s contribution to economic science from his moral, philosophical, and ethical views. Whether they are right or wrong, they are not organic to the durable part of Adam Smith’s thought, the part that has shaped not only modern economics in the scientific, the descriptive, sense, but also the modern free-market position that is hostile to mercantile policies-hostile to tariffs and the like [POSNER, 1990:164–165

Esta visão expressa de forma sucinta é considerada neste trabalho como representativa da compreensão “consensual” vigente no âmbito neoclássico, a despeito de se posicionar em confronto direto com outras apropriações elaboradas por especialistas em história, e, não só do pensamento econômicos, mas também da história das idéias e dos conceitos. Ou seja, não existe um consenso no âmbito das apropriações do legado smithiano

Em função disso, nessa nota me oponho a a compreensão consensual referida acima, o que justifico por meio da apresentação de um conjunto de pesquisas recentes do legado de Adam Smith que divergem virtualmene da “camisa de força” newtoniana insinuada por Posner e que se encontra no “núcleo duro” do consenso no univeso neoclássico.

E é com este propósito que destaco trës núcleos de críticas e superações da visão corrente do legado de Smith entre os economistas neoclássicos, e seus desdobramentos , a exemplo da NEI e da Law and Economics.

Esses núcleos compartilha um novo frame na leitura de Adam Smith que parte de uma denuncia da falsificação do legado smithiano como uma condição nessária ao desenvolvimento das tendências reducionistas,que opera uma dessocialização e desmoralização da economia e propõe a economia como imaginação moral, a exemplo da leitura de Richard Posner.

A expressão emblemática deste frame que propicia nova leitura de Adam Smith configura-se a partir de um novo olhar sobre Adam Smith, em especial no que se reporta a explicação da sua filosofia da ciência que, passa a ser endendida como construtivista social.

É essa perspectiva nstrutivista de Adam Smith que pavimenta a trajetória de vários programas que buscam justificar uma nova compreensão do legado smithiano, cada vez mais influene no meio acadêmico, em especial entre os historiadores do pensamento econõmicos, das idéias sociais e dos conceitos.[ ALVEY, 2004a,b, 2007; HILL 2001, 2004)

Entres estas novas apropriações destaco três: i) a problematização da compreensão corrente da mão invisivel de Adam Smit, ii) A problematização da fragmentação do leegado smithiano que dissocia a leitura da Riqueza da Nações e o Sentimentos Morais e, por fim a que resgata iii) a ancoragem teológica do framework de Adam Smith, as quais passo a apresentar de forma sucinta nos paragráfos abaixo:

  1. Emma Rotschild e sua Problematização da Mão Invisivel de Adam Smith

Um outra referência de questionamento do consenso neoclássico acerca do legado de Adam Smithe é a express na obra de Emma Rotschild e sua problematização da visão chapada corrente da mão inivisivel de Smith[1]. A outra é focada no questionamento da fragementação do legado do núcleo duro de Adam smith representada pelos livros A Riqueza das Nações e Sentimentos Morais e que defende que a primeira, a Riqueza das Nações seja lida à luz dos Sentimentos Morais. A terceira é a que explora eixos metafisicos específicos na conformação do frame de adam smith, a exemplo da teologia.

A idéia da “mão invisível”, que se presumia, durante grande parte do século XX, constituir um tema unificador do pensamento econômico de Smith, é objeto de problematização por Emma Rotschilde. A estratégia argumenativa da autora é que a visão do próprio Smith sobre a mão invisível não é a considerada na abordagem econômica tradicional, a autora mosta que ela é diferente e mais cético. E, sugere que ela seja entendido em relação a configuração de outras mãos invisíveis, na época mais familiares: a “mão sangrenta e invisível” da providência de Macbeth, ou a “mão invisível” que repele e depois paira sobre o infeliz herói do Édipo de Voltaire.

Em resumo, para a autora a ideia da mão invisível levanta questões problemáticas com destaque para as relações i) entre pensamento econômico e religioso; ii) entre as escolhas políticas e econômicas dos indivíduos; e, por fim, arremata chamando atenção para a problemática smithiana associada a busca do interesse próprio dentro das regras e a transformação da riqueza em poder político, incluindo o poder de transformar as regras.

2. A Problematização da Fragmentação do Legado Smithiano

. Esta nova velha leitura do legado de A Smith manifesto em A Riqueza das Nações precisa ser interpretada a partir da perspectiva da teoria moral geral que ele explica em The Teoria dos Sentimentos Morais, a partir do se pode justificar economia smithiana como imaginação moral, mas também do indivíduo smthiano como socialmente incorporado. [HÜHN, 2019] .Esse programa tem afinidades eletivas com os insights de Viner (1929) em seus multiplos desdobramentos. [ KLEER, 1992,1995,2000; CLARKE, 2000;2002; HILL, 2001; WATERMAN, 2002; SHOJI, 2003; ALVEY, 2004

3. A Ancoragem teológica do Framework de Adam Smith

Por fim temos a retomada da dimensão teológica do trabalho de Adam Smith, na qual uma linha de pesquisa que merece destaque é a vertebrada a partir, entre outros do conceito de “valor epistêmico” [1], no bojo do qual se insere os diveros referenciais normativos de natureza metafísica que balizam a obra de Smith, entre os quais ressalto os teleológicos/teológicos.

Esse novo recorte cria as condições para estudos monográficos interdependentes que amplia os referenciais smithianos e, com isto, as possibilidades de apropriações, a exemplo das discussões recentes, que retoma os insights de Jacob Viner (1927), e explora dimensão teológica da obra de Adam Smith.[WATERMAN, 2002; FELISCHACKER, 2004; LONG, 2007, OSLINGTON, 2011]

Por fim, vale ressaltar que no âmbito dos trabalhos monográficos que exploram os fundamentos teológicos do frame smithiano, pode-se vislumbrar linhas de fuga que, nos remete aos programas de pesquisa na filosofia política que exploram esses mesmos fundamentos no âmbito da política (politics) e, que tem como sua obra emblemática o livro a a Teologia Policita de Carl Schmitt.

NOTAS

[1] “Epistemic values are all values that impact what and how something is studied.1 In Smith, they come in three levels: there are fundamental underlying values relevant to all sciences; there is an intermediate level that applies only to the social sciences; and lastly, an object-related set of values ascribed to whatever is studied. Smith’s starting point was the Stoic systematic according to which there are three branches of science: moral philosophy, natural philosophy and logic. He believed that these branches had differing epistemologies, but he also assumed that they were underpinned by certain common epistemic values. In the two essays, he focuses on the epistemology for moral and natural philosophy. Since Smith assumed that knowledge is always created by humans, epistemic values are not only relevant for moral philosophy, but also for natural philosophy (physics, chemistry), because the values and sentiments of the scientists are involved in knowledge generation. Smith’s basal epistemic value for both branches is humility: scientists must never make absolute truth claims. This is where Smith’s epistemology is strongly normative. The rest is, in line with his moral philosophy, descriptive in nature”[KÜHN,2019:1]

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Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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