A TABACARIA (Der Trafikant) de Nikolaus Leytner (2019)

Ihering Guedes Alcoforado
2 min readNov 24, 2019

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A Tabacaria (Der Trafikant) de Nikolaus Leytner (2019) tem como cenário histórico um momento traumático de Viena e da vida de Sigmund Freud: a ascensão e consolidação da nazismo e, como cenário dramatúrgico um templo do desejos, dos prazeres e dos vícios refinados: uma Tabacaria. Ou seja, um feixe de elementos que processados em imagens movimento nos podia propiciar uma oportunidade de aprimorar nosso olhar crítico sobre o nazismo que não só traumatizou a Europa na primeira metade do século, como na atualidade enquanto o um espectro ronda não só a Europa, mas também nós que nos encontramos no outro lado da linha do equador.

O surpreendente é que mesmo pondo em tela todos esses elementos necessários a um desvelamento das entranhas psíquicas do nazismo,Nikolaus Leytner opta por uma trama pueril: o rito de iniciação sexual de um jovem, o que o leva a radicalizar na caricaturação dos seus personagens, tanto no âmbito na narrativa central como na paralela.

Na narrativa central a opção pela caricatura se revela na na construção dos personagem não só de Anezka (Emma Drogunova), a jovem checa; mas principalmente de Sigmundo Freud (Bruno Ganz), a eterna referência para os estudiosos da psiquê humana em especial no que se reporta aos prazeres, desejos e vícios humanos tanto no nível do sujeito como das coletividades é representado como um velho gagá hque não consegue enunciar nada além do senso comum sobre a sexualidade e a aventura amorosa de um adolescente. De forma que a reflexão sobre prazeres, desejos e vícios humanos é tratado nos diálogos do tabaqueiro Otto Trsnjeke (Johannes Krisch) com seu aprendiz Franz Huchel (Simon Morzé) mas sem qualquer relação ao processo traumático em curso. Na narrativa paralela a representação do nazista que teve entre suas figuras emblemáticas Martin Heidegger e Carl Schmitt é caricaturado por meio de um mero açogueiro e outros personagens e imagens clichês, o que impossibilita qualquer diálogo virtual com Freud e, em consequência um desvelamento das entranhas do nazismo.

Enfim, ao optar por fazer um filme banal, nos chama atenção para a necessidade imperativa de um grande filme que explore, a partir dos insights de Freud, a problemática relação dos prazeres, desejos e vícios humanos tanto no nível do sujeito como das coletividades, na configuração do “simbólico” e do “imaginário” político em eterna convulsão na sua busca incessante de um “real” que sempre escapa e, assim nos ofereça um estimulo a reflexão que nos leve a compreensão do fantasma do nazismo que ronda o nosso sistema e o nosso mundo da vida. Afinal cinema não só é pensamento, como insumo a reflexão.

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Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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