A DISTINÇÃO DOS FUNDAMENTOS CULTURAIS/MORAIS DO MERCADO E DO CAPITALISMO: Contribuição de W. Ropke— Ihering Guedes Alcoforado

Ihering Guedes Alcoforado
4 min readMay 12, 2021

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Uma distinção chave feita por W. Ropke é estabelecida entre mercado e capitalismo, a qual é qualificada no plano cultural e moral. O mercado expressa valores enraizados na cultura burguesa e, e que antecedo nos quais se ancora o capitalismo, o que fundamenta não só o conflito entre mercado e capitalismo evidenciado por Ropke, mas também o ser perfil de um filosofo conservador e um economista político inovador. De forma que fica evidenciado a centralidade da compreensão de cultura, em especial a cultura burguesa, em qualquer program de leitura que se proponha revisitar seu legado.

Neste sentido vale o registro que o primeiro passo é compreender o porque das suas avaliações da cultura burguesa ser ambíguas porém consistentes. E neste direção vale ressaltar que, quando se volta para o passado concebe as manifestações culturais como associadas a eventos históricos, o que é exemplificado nas suas apreciações da cultura inglesa manifesta ao longo da Revolução Industrial, como também do ancien regime.Essa orientação é evidenciado em seu livro Economics of the Free Society, quando condena Keynes por sua falta de compromisso moral intergeracional com a conservação, com o futuro [ROPKE, 1960:100] e quando faz referencia ao background histórico da sociedade burguesa inglesa ao afirmar que

“There is some evidence that this interpretation of costs reflects the moral climate in which the English bourgeoisie of the eighteenth and nineteenth centuries lived, a climate in which every honest gain was thought to require a corresponding sacrifice.”[ROPKE, 1963:38]

Mas, por outro lado, quando se volta para seu tempo presente e apreende a cultura burguesa então manifesta na Alemanha é inclinado a ve-la como uma “constante antropológica dinamica” cujas raízes estão fincadas nas eternas virtudes evidenciada pelos clássicos gregos e, que no seu entendimento estão manifesta na cultura burguesa, a qual é concebida como base de sua deontologia politica economica. Nesta mesma direção, a de reconhecimento dessas constantes humanas na cultura burguesa normatizada, ele não só considera a emergencia de um “consensus saeculorum” (sic!) com relação a estética, como ver a realidade dessas constantes antropológicas em várias questões sensíveis, a exemplo da relação entre propriedades privadas, genero, comunidade, trabalho e lazer [ROPKE,1952, 1964:164; 1979:159] ). .

E neste contexto que fundamenta sua distinção clássica entre “mercado” e “capitalismo”, o que o leva a criticar os fundamentos éticos do “capitalismo”, ou seja, o utilitarismo/consequencialismo por seu descolamento da ética das virtudes, e, em seguida atacar os resquícios dessa moralidade no mercado tal como operado no capitalismo, o que o leva defender a ancoragem não só do mercado, mas do próprio capitalismo na ética da virtude praticada na Alemanha do seu tempo, e que no seu entendimento determina o carácter dos indivíduos dos burgueses: os agentes que operam o mercado.[CRISP & SLOTE, 1997]

De maneira que ao se debruçar sobre seu legado observa-se uma inclinação fundamentalista manifestas nas afinidades eletivas do programa de W. Ropke com a Teoria do Direito Natural, que tem entre seus expoentes São Tomaz, e, também com as filosofias liberais de Hayek e Rand. Na tradição do Direito Natural e do liberalismo fundamentalista essencialista, a exemplo de Hayek e Rand, os padrões que governam o comportamento humano são, em boa parte, derivados objetivamente da natureza dos seres humanos e da natureza do mundo, o que é feito por meio de distintas qualificações da natureza humana diferenciando os programas desenvolvidos pelos aderentes dessas tradições.[COLEMAN & MURPHY, 1990]

A constatação das diferenciações referidas acima evidencia a possibilidade de apropriação não fundamentalista do legado dessas tradições, em especial uma apropriação criativa do legado do Direito natural de forma a ajustá-la as novas expressões da natureza humana.Ou seja, preserva-se a estrutura lógica do Direito Natural e do Liberalismo fundamentalista, mas opera-se com uma natureza humana moldável e mutante em decorrencia das diferentes formas de interações entre os indivíduos, chegando no limite a deslocar a unidade de análise do individuo para a comunidade.

Enfim, é essa trajetória em linhas tortas que que se pode tomar com chave de leitura do programa de W. Ropke: Um filosofo social conservador que apresenta afinidades eletivas com o Direito natural e o Liberalismo fundamentalista, sem abrir mão das suas próprias referencias morais enraizadas no cristianismo que alimenta a cultura burguesa na qual se ancora o mercado: Um economistas política liberal que que não demoniza o intervencionismo estatal tendo em vista podar o capitalismo das suas aporias em boa decorrente dos fundamentos morais utilititaristas/consequencialista dos quais é um crítico feroz.

BIBLIOGRAFIA

COLEMAN, JL & MURPHY, J (1990) Philosophy of law. Westview Press, Boulder

CRISP, R & SLOTE, M., 1997 Virtue ethics. Oxford University Press, Oxford

POSNER, RA (2005) Hayek, the law, and cognition. NY Univ J Law Liberty 147:147–166

RAND A (1964) The virtue of selfishness: a new concept for egoism. New American Library, New York

ROEPKE, W (1943/1963) Economics of the free society. Henry Regnery, Chicago

ROEPKE, W(1952/1960) A humane economy: the social framework of the free market. Henry Regnery, Chicago

ROEPKE W (1963/) Economics of the free society. Henry Regnery, Chicago

ROEPEK, W (1948) Civitas Humana. A humane order of society. William Hodge, London

SCHNEIDER, H. (2018). Skepticism About Markets and Optimism About Culture.IN P. Commun, S. Kolev (eds.), Wilhelm Ropke (1899–1966):A liberal political economist and conservative social philosopher. Springer International Publishing AG 2018 (Col. The European Heritage in Economics and the Social Sciences 20) pp.219–236.

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Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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