A “COLLAGE MUSIC” COMO EXPRESSÃO MUSICAL DE “MAIO 68”: Uma Possível Chave de Leitura (Ihering Guedes Alcoforado)

Ihering Guedes Alcoforado
4 min readApr 22, 2018

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Uma dos aspectos mais obscuros do MAIO 68 francês é sua relação com a música, o que envolve não só a música embalando os corações e mentes nas nos boulevards parisiense, mas principalmente como os jovens se posicionaram com relação ao regime musical vigentes, a exemplo do que aconteceu no cinema, submetido a uma critica radical que envolveu a concepção, a linguagem, a produção e a distribuição da obra cinematografica.

Existem registros da realização de debates em MAIO 68 que focava a situação dos músicos, ou seja, suas condições de trabalho, mas não o regime musical propriamente dito. O que nos permite considerar como uma chave de leitura provisória que os músicos foram para as ruas como as demais categorias de trabalhadores e, também para as fábricas com a finalidade de entreter os trabalhadores em greve. Mas, suspeito (é preciso aprofundar a pesquisa) que a musica, enquanto uma expressão formal da sensibilidade do tempo presente ficou, onde sempre esteve e cumpriu apenas parte das suas funções, pois não chegou onde o povo estava.

Em função do exposto acima, emerge três questões a ser respondidas para que possamos transitar de uma suspeita, a uma opinião baseada em evidência documentada e, justificar a especifidade do MAIO 68 brasileiro não pela repressão, mas pela crítica musicalizada

A transição da suspeita para a evidência documentada envolve a resposta a duas perguntas é a) Qual o estilo musical que se pode considerar que melhor expressa o acontecimento MAIO 68 ? A nossa hipótese provisória é que foi “collage music” [TARUSKIN, 2011]. A segunda é porque a “collage music não embalou os corações e mentes que manifestavam nas ruas e assembleias na França, na Alemanha e nos EUA ? A suspeita é que isso se deu em parte, em função da relações de trabalho dos músicos franceses, e, também, em decorrência da orientação experimental dos proponentes (não franceses) na qual ressoa os preceitos vanguardistas que o levaram a adotar uma configuração da performance impossível de ser transladado para as ruas nas condições técnicas vigentes.

Já a evidenciação da especificidade no nosso MAIO 68 envolve duas etapas. A primeira é caracterizar a nossa Tropicália, o estilo musical que expressou o espírito de MAIO 68 embalou os corações e mentes de uma geração como uma variante da collage music, na qual se destaca os collageur Bernd Alois Zimmermann (1918–70) e Henry Brant (1913–2008). [TARUSQUIN, 2011] Aqui a suspeita é que a a colagem do tropicalismo deu-se através da endogenização de múltiplas influências, com destaque para a matriz afro-brasileira, constituindo uma configuração para suas performances musicais, sem os adereços da matriz original que, adentrava na seara do que hoje chamamos de “instalação”. Ou seja, enquanto a collage music dialogou com outras expressões na constituição da sua narrativa, a Tropicália permaneceu contida no âmbito musical e os adereços se restringiram a indumentária.

A segunda etapa da evidenciação do nosso MAIO 68 é mostrar que a Tropicália chegou aonde o povo estar, enquanto que a collage music permaneceu nas salas de concertos de música erudita, graças ao processamento da nossa matriz musical afro-brasileira que preservou a indissociabilidade da arte da vida, de forma a assumir uma configuração similar a collage music.

Por fim, do ponto de vista metodológico o ponto de partida deve ser, tal como aponta Middleton (1993), uma integração entre o campo da analise da musica popular focada no significado da expressão musical e o da musicologia voltada a estrutura musical interna, no sentido estrito.

BIBLIOGRAFIA

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Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

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