1968 E A CRISE DA UNIVERSIDADE: Alguns Insights — Ihering Guedes Alcoforado

Ihering Guedes Alcoforado
4 min readMay 18, 2019

--

18/05/2019

A atual crise que envolve a Universidade brasileira se notabiliza por falta de um debate substantivo, dado que o entrevero se configura em torno de contingenciamento e corte do orçamento. O fato pode parecer estranho aos menos avisados dado ser a Universidade, em princípio, um locus dedicado a reflexão substantiva sobre os mais diversos problemas da sociedade. No entanto o que se constata é que a universidade nunca se notabilizou em se auto problematizar.

A evidenciação dos fundamentos da afirmação acima é resultante da reflexão abalizada de Alasdair MacIntyre por ocasião da crise universitária norte-americano manifesta no bojo das revoltas de 1968. Sua reflexão teve como referência três livros publicados “intelectuais públicos” norte-americanos, sob o estímulo dos acontecimentos de 1968 que abalou os fundamentos da auto-representação da Universidade: a) Daniel Bell e Irving Kristol (1969), chama atenção para as diferenças de orientação politica dos estudantes negros em e aqueles da SDS e as decorrentes limitações da suas alianças em 1968; b) Immanuel Wallerstein(1969), faz uma analise política da relação da universidade com a sociedade, o governo e as relações inter corporativas, e, por fim Sven Lundstedt (1968) a partir das relações da psicologia social das áreas conexas, contribui no desvelamento da natureza da educação superior nos Estados Unidos.

Foi a partir de uma reflexão sobre estes três livros que Alasdair MacIntyre nos chama atençãoo que eles lançam um faixo de luz, não só na crise da crise na universidade americana manifesta no final da década de sessenta no século XX, mas também sobre a

“[…] the way in which the social sciences inform our understanding of contemporary history.”[ [MAcINTYRE,1970: 562]

Sua conclusão, apoiado na história e no conteúdo dos livros aludidos, com relação a contribuição das ciências sociais e da universidade não é nada animadora por dois motivos. O primeiro é o reconhecimento de viés é antigo das ciências sociais na construção de uma compreensão da história contemporânea:

“The history and structure of a practice is never to be identified with the history and structure of the institutions which are the bearers of that practice. Not only has the practice of independent intellectual inquiry not always been at home in universities, but universities at certain periods (England in part of the eighteenth century, for example)have been inimical to that practice. Moreover, there are other legitimate and praise worthy practices usually carried on in universities, such as the education of the young into the contemporary range of social opportunities and the devising of socially useful technologies.” [MAcINTYRE,1970: 562/563

A segunda é que este viés é magnificado quando se trata da universidade, dado que a orientação liberal que faz parte da cultura universitária

“[…] have tended to deify the university as it is and to identify the, cause of the preservation of the university as it is with that of the preservation of independent intellectual inquiry” [MAcINTYRE,1970:563]

O que induz uma apreensão auto referenciada e auto indulgente da universidade, que tem dificuldade de se alinhar com uma visão mais geral da sociedade dado que

“All three books cope only in the most limited way with the problem of relating their specific concerns to a more general view of society”. [MAcINTYRE,1970:653]

Donde nós podemos inferir que a tendência da universidade se conceber de forma auto referenciada não é nova, impedindo-a de uma reflexão que evidencie seus problemas endógenos (eficiência) e exógenos (eficácia e efetividade) a exemplo do que vemos hoje no Brasil, quando a universidade resiste enfrentar os desafios postos pela crise econômica que tem nela um dos seus pontos críticos, tendo como meta a luta contra os cortes no seu orçamento, motivado pelo espírito corporativista dos professores e funcionários ameaçado nos seus salários e, dos seus rebentos, os estudantes com suas bolsas.

Enfim, a superação da crise passa por auto-reflexão da universidade sem ter como centro os interesses corporativos, mas os interesses da sociedade que demanda uma universidade eficiente e eficaz, a partir do que se poderá definir o que é prioritário ou não.

BIBLIOGRAFIA

BELL, Daniel & KRISTOL, Irving., (eds.) Confrontation: The Student Rebellion and theUniversities. New York: Basic Books, 1969.

LUNDSTEDT, Sven., (ed.) Higher Educationin Social Psychology. Cleveland: Case Western Reserve University Press, 1968.

MAcINTYR, Alasdair., Review Books IN American Journal of Sociology, Vol. 75, №4, Part 1 (Jan., 1970), pp. 562–564

WALLERSTEIN, Immanuel., University in Turmoil.New York: Atheneum
Publishers,1969.

--

--

Ihering Guedes Alcoforado
Ihering Guedes Alcoforado

Written by Ihering Guedes Alcoforado

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia.

No responses yet